CAPÍTULO 12
Depois
de terem sido rodadas algumas ganzas e o Miguel ter descoberto o fundo do jarro
de vinho tinto com a ajuda do puto Gaspar e da Liliana, eu e ele resolvemos
subir até Almada.
Contraditoriamente ao que era usual, resolvemos ir por Cacilhas e subir até Almada, pela primeira avenida do enorme corredor de vento que atravessava a cidade de um lado ao outro, a avenida 25 de Abril.
Foto: Luís Filipe Maçarico |
Diferente
do que costumávamos fazer, quando íamos pelos caminhos do Vai-de Roda - continuando o caminho do Ginjal onde ele me havia encontrado e escolhermos entre subir a escadinhas do Ginjal (as quais subiam a Arriba-Fóssil, naquele tempo com duzentos
e oito degraus, mas que em tempos passados, antes de ter sido em parte destruída
por derrocadas, tivera muito mais), ou então, continuar em frente, passando
pelo Jardim do Rio (espaço muito
antigo e muito bem recuperado pela Câmara
Municipal de Almada), até quase entrar nos antigos e pequenos estaleiros do
Olho-de-Boi (ainda a funcionarem, mas
já com pouquíssimos operários e serviços disponíveis) e depois subir a íngreme
estrada para carros que ia até ao novo Miradouro
da Boca do Vento (do qual se podia contemplar praticamente todo o Espaço Ribeirinho do Ginjal, assim, como
toda a costa de Lisboa até ao mar).
Antes
de entrarmos na avenida 25 de Abril, admiramos o imenso espaço vazio do terreno dos antigos
estaleiros da LISNAVE que se estendia alguns quilómetros á nossa frente. Não
havia muito tempo, teria sido impossível, do local em que estávamos a passar,
conseguir ter a noção do tamanho daquele espaço: a quantidade de guindastes com
dezenas de metros de altura, os monstruosos petroleiros, carregadores e outros
barcos de grandes dimensões que estavam sempre atracados para reparações e
restauros e os enormes armazéns que por ali se costumavam espalhar, tapavam,
sem dificuldade, a vista sobre o horizonte que, naquele dia, se deixava
descobrir até ao concelho do Seixal, do Montijo e do Barreiro, do outro lado da
baía ali criada pelo rio Tejo.
A conversa que tínhamos iniciado na tasca do Castelo
tinha-se evaporado no estabelecimento com o fumo da primeira passa que o puto
Gaspar puxou do charro. Mas, em mim, aquele tema ainda pairava, aéreo, sobre a
minha mente, infiltrado em meus pensamentos. Por isso, quando ao subir aquela
avenida pelo passeio do lado direito da mesma, me deparei com uma frase há
muito escrita numa parede de um dos prédios que constituiam aquele enorme
corredor de vento. Aludia a qualquer movimento do pós-25-de-Abril. Não consegui
calar-me e o tema voltou novamente a sair-me pelos lábios secos do calor,
daquela vez transformado numa outra prespéctiva:
“-
Se há coisa que reflecte muito bem a verdade histórica de Almada – disse eu ao
Miguel - assim como o ambiente que nela se vive, são as paredes da cidade e os graffitis que nela existem.” - pelo meu
tom de voz e através dos anos que o Miguel me conhecia, ele soube muito bem que
eu estava predisposto a dissecar aquele assunto até ao fim... por isso, sem
resistência, deixou-se levar pelo diálogo que fomos tendo em trocas de impressões,
de opiniões, de visões, de experiências. E com um tom irónico, de brincadeira e
cumplicidade, começamos uma conversa algo divertida:
“- Ora, se bem me
lembro os graffitis começaram... começaram... ah, já me lembro: começaram na
idade-da-pedra!” - dei eu como que em pontapé de saída.
“- Mas antes da
idade-da-pedra não tinham já existido super-civilizações?!” - acompanhou-me
ele, compincha.
“- Será que eles
lá também faziam graffitis?” - perguntei apontando o indicador direito para
cima num movimento de rotação de pseudo-intelectual.
“- Bem, não
compliquemos...” - disse ele, também armado em intelectualóide, como se falasse
na televisão - “Os graffitis
começaram na idade-da-pedra: os homens pré-históricos pintavam uns bois e uns
homens-macacos mal feitos à brava, umas mãos...”
“- Eu até cheguei
a ver num documentário e numa revista que também existiam O.V.N.I.S. representados
em pinturas rupestres...” - informei.
“- ...e em
pinturas santas da época da renascença...” - mostrou-se ele entendido.
“- Bem, bem... lá
estamos nós a divagar outra vez. Estávamos a falar de graffitis! Gra-ffi-tis!”
- orientei.
“- Está bem! Pronto! Então, continuando:
parece que os egípcios também gostavam de pintar paredes...”
“- ...e em Pompeia
também descobriram qualquer coisa escrita numa parede.”
E lá continuamos
avenida acima, divertidos em nossa divagação, mas eu sempre com um objectivo em
mente: compreender a realidade social em que estava inserido, suas dificuldades
e as soluções possiveis. Eu tinha que escrever sobre aquele tipo de coisas.
Em
Almada, as pessoas também gostavam de escrever nas paredes e elas contavam
histórias muito antigas, mas não tão antigas quanto as das grutas
pré-históricas. Contavam, sim, histórias do pós-25-de-Abril de 1974... e contavam
somente histórias do pós-25-de-Abril de 1974 porque encontrar coisas escritas
nas paredes anteriores áquela data era difícil, ou praticamente impossível. Não
porque as pessoas tivessem sido mais asseadas antes da pacífica revolução que
acabara(?) com a ditadura declarada, assumida... mas, sim, porque, naquele
tempo de ditadura salazarista, quando aparecia alguma coisa escrita numa parede
por alguém mais corajoso que durante a madrugada se atrevia a desafiar o
controle do sistema fascista, aquela ousadia era, o mais rapidamente possivel,
apagada, para que as mensagens não chegassem de manhã, aos olhos daqueles que,
cedo, desanimados, controlados, subjugados, iam trabalhar.
As frases eram
normalmente “Morte ao Fascismo” e “Abaixo a Salazar”, ou “Morte a Salazar” e
“Abaixo o Fascismo” e não duravam muito tempo em exposição. Naquele tempo
também não se chamavam graffitis.
Chamavam-se,
talvez, esperança.
Aquela
era a imagem que me fora transmitida: quando o povo saía de manhã, de cabeça
baixa, para se dirigir ao trabalho, era com alegria que por vezes ainda
conseguia lêr algumas daquelas mensagens que o sistema não conseguira ter tempo
para lavar durante a noite. Era sinal de que ainda havia alguém a fazer alguma
coisa. Ainda havia alguém a resistir ao tirano. Ainda havia esperança!...
Mas, enquanto a
parede era limpa, ninguém a podia ler, a não ser disfarçadamente, pelo canto do
olho. Baixavam a cabeça ao passar, pois lá estavam os cães do estado, os
agentes da P.I.D.E./G.D.S, a controlarem: “- Circular! Circular! Não há nada
para ver! Circular! Circular!”. Mas, maior parte das vezes, nem precisavam de dizer nada: bastava um
simples olhar, a simples presença daqueles indivíduos e era o quanto bastava
para intimidar o povo a deixar cair os olhos no chão.
Só que havia sempre
alguém que conseguia lêr e assim a mensagem de esperança, de prece, de
profecia, depressa se espalhava pela cidade, nos cafés, nas barbieirias, nas
colectividades, associações, etc... mas sempre com o cuidado de verificar com
cuidado quem é que estava presente quando essas coisas eram faladas, contadas
com um riso na face, ou com lágrimas nos olhos, não fosse estar presente algum bufo, algum chibo, olho-vivo do Estado.
Quem
arriscava a sua liberdade, integridade física e até mesmo a sua própria vida,
só para rabiscar umas coisas na parede, era porque pertencia a algum grupo de
resistência organizada. Não se fazia uma coisa daquelas de ânimo leve. O medo
era muito! Mas era preciso manter a moral do povo em cima, o mais que se
conseguisse. Era preciso manter a esperança! Peritos naquilo tinham sido sempre
os comunistas: em qualquer parte do mundo onde houvesse a opressão ditactorial,
lá estavam eles a formarem grupos organizados de resistência, sindicatos,
associações e qualquer movimento que podesse despoletar em qualquer coisa
omissa e que desse oportunidade a conquistar alguns direitos.
Mas se olhássemos para a história dos países
onde o comunismo fora chefe de estado e onde o fracasso governativo fora flagrante
e terrível por parte daqueles que representaram tal ideal, facilmente
deduzíamos que, provavelmente, o comunismo só servia para aquilo mesmo: força
de resistência a poderes imperialistas e totalitários.
Não porque o
comunismo em si, como ideal, fosse imperfeito (pelo contrário: o comunismo era
um ideal perfeito de igualdade entre todos os indivíduos de uma sociedade) mas
como “ismo” tinha sido sempre expresso através do totalitarismo de homens
gananciosos, em regime de opressão, de intimidação, de controle e de terror.
Pessoalmente,
acredito que o comunismo nunca resultaria na humanidade. Não dentro do contexto
histórico em que estávamos inseridos.
O ciclo,
politicamente, era vicioso e friamente, engraçado: se a direita subisse ao
poder e assumisse uma atitude totalitária, a esquerda, enfraquecida, juntava-se
aos fracos e oprimidos e oferecia-lhe organizada resistência, até que a coisa,
mais cedo, ou mais tarde, dava a volta e o outro lado caía...
...mas se a
esquerda, por sua vez, subisse ao poder e assumisse uma atitude totalitária, a
direita, por sua vez, enfraquecida, evidentemente, juntava-se aos fracos e
oprimidos e oferecia-lhe organizada resistência, até que a coisa, mais cedo, ou
mais terde, dava a volta e o outro lado caía...
Se algum tirano
maluco subisse ao poder, com ideais mais malucos ainda e que nada tivessem a
haver com a direita, ou com a esquerda, mas somente com a simples ganâcia de um
louco, então, a esquerda unia-se à direita e juntando-se as duas aos fracos e
oprimidos, ofereciam organizada resistência ao tirano, o qual, mais cedo, ou
mais tarde, caíria também...
Coisa de doidos!
Por estas e por outras
é que era muito difícil encontrar pinturas anteriores ao 25 de Abril de 1974.
Cerca de trinta
anos após a revolução dos cravos viam-se ainda espalhados nas paredes da cidade,
vestígios de expressões das várias vertentes ideológicas que, durante aquelas
cerca de duas dezenas e meia de anos de liberdade aparente, tinham tido a
oportunidade para contar, cantar e escrever aos outros o que pensavam. As
paredes tinham sido utilizadas para anunciar manifestações, divulgar ideias,
pensamentos e muitos tipos de informação e desabafos.
Enquanto eu o Miguel
subíamos pela avenida 25 de Abril acima, íamos lendo nas paredes à nossa
direita, frases vindas dos anos setenta, tais como: “Viva a ditadura do
proletariado!”... “Poder Popular”... “Viva o 1º Congresso da U.J.C."
(União da Juventude Comunista), assinados com foice e martelo... ou então:
“Operários camponeses soldados e marinheiros unidos vencerão” sem identificação
(note-se que transcrevo, com pontos e virgulas – ou sem eles - tal e qual como
elas estavam escritas nas paredes).
Viam-se em muitos
lugares uma esfera vermelha, completamente vermelha, tendo no interior uma
estrela amarela no ‘canto’ superior esquerdo e M.E.S. escrito na parte
inferior. Quando andei a investigar aquele tipo de coisas e me deparei com
aquele símbolo, não soube o que era, pois, quando o 25 de Abril se deu em 1974
eu tinha somente um ano de idade. Por isso, um dia, resolvi questionar as
pessoas que por ali passavam perto daqueles símbolos, sobre o assunto, ali
mesmo, na rua... e deduzi que seriam as pessoas mais velhas que melhor me
informariam. Porém, para surpresa minha, nenhuma delas me respondeu e até
levaram a mal eu fazer-lhes aquele tipo de perguntas, ali, no meio da rua.
Senti o medo delas, como se temessem estar a ser observadas por forças ocultas,
tenebrosas, em complot. Era incrível:
seria possível que as pessoas ainda tivessem medo de um regime fascista que
caíra havia mais de um quarto de século?! Sim. Era isso mesmo. Ainda tinham
medo do fantasma do ditador, mesmo depois daquele ter morrido e da ditadura
assumida ter desaparecido. Mais uma vez fora-me dado a entender o quanto
aquelas pessoas tinham sofrido com tal regime. Enfim... mais tarde vim a descobrir
que M.E.S. queria dizer “Movimento da Esquerda Socialista”.
Eram aquelas as
mensagens que os anos setenta tinham escrito nas paredes, quando a
instabilidade política e a liberdade de expressão dava a qualquer um a ilusória
oportunidade para tentar a sua vez de subir ao poder.
“- Realmente, este
país já teve que passar por muita coisa para chegar ao ponto em que agora
estamos!” - emocionou-se o Miguel... e lá vibrou o clarim: “- Tivemos que andar
à chapada com mouros, espanhóis, franceses, holandeses e sei lá mais quantos daqueles
que quiseram ficar com este precioso braço de terra e mesmo com estas coisas
todas ainda escritas nas paredes de todo o país, ainda existe tanta gente que
não dá o devido valor à liberdade que temos!”
“- É verdade!...
mas ainda temos que precorrer um longo caminho até serem colocadas em vigor certos
direitos e determinadas leis que, se o fossem, proporcionariam ao povo uma melhor
qualidade de vida. O povo ainda está muito agarrado ao preconceito de gerações
de tradições judaico-cristãs e pagãs, as quais fazem deste povo, nesta altura
da história, um povo tão retrogado, tão inerte e por vezes tão mesquinho. O
povo português precisa de encontrar um motivo para viver como nação: sem um
motivo, só resta subjugármo-nos aos sonhos de outros... mais precisamente, ao
sonho americano de uma Nova Ordem Mundial. Precisamos de um sonho, senão,
seremos facilmente conquistados pelo sonho de um novo governo mundial que se
espalha por todo o planeta, capitalista, materialista, ditatorial, totalitário,
imperialista, de controle tecnológico absoluto, que os Estados Unidos da
América e a Europa estão a espalhar através da Organização das Nações Unidas.
Nos governantes
não podemos confiar: “eles” estão do lado dos “outros”. Os governantes
portugueses do P.S. (Partido Socialista) e do P.S.D. (Partido Socialista
Democrático) estão todos ligados á maçonaria. Na verdade, o povo português não
elege ninguém quando vai ás urnas em tempo de voto: os governantes de Portugal
(assim como de outros países) são previamente escolhidos nas reuniões secretas
do semi-secreto e para-político Grupo Bilderberg. Os governantes portugueses
têm interesses pessoais quando se subjugam mansamente às directrizes alheias
aos interesses nacionais: eles sabem o que se está a desenrolar no mundo e não querem
fazer parte dos excluídos. Possivelmente, muitos deles até já estão implantados
com o VERICHIP, o microchip distribuido pela Digital Angel Corporation em todo
o mundo, desenvolvendo, pouco a pouco, com o consentimento da população, o
controle absoluto sobre cada ser humano, cada animal e cada mercadoria.” -
refleti, seriamente, com ele.
Como as paredes de
Almada nos mostravam, nos anos oitenta as preocupações haviam mudado e
podiam-se ler frases daqueles anos, tais como: “Portugal fora da N.A.T.O.”...
"Somos todos habitantes da Terra. Não à energia atómica”... “Antes activo
hoje que radioactivo amanhã.”... as quais reflectiam já um Portugal
integralista para com a política e economia europeia, mundial, mas,
essencialmente, norte-americana.
“- Olha, lá...” - divergiu,
em convite, Miguel – “... o que é que achas de irmos até lá acima a Almada
Velha?”
“Sim... acho que é
uma boa ideia. Mas ainda é cedo: podíamos passar pela relva e ficar um bocado por lá.” - sugeri.
“- O.k. Vamos nessa,
ó Vanessa!” - entuou ele a voz como uma corneta.
“- Mas mais tarde
podíamos era petiscar qualquer coisa em Almada Velha... o que é que achas?” - revelei-lhe
eu a conforto monetário que tinha nos bolsos.
Ele olhou para
mim, levantou as sobrancelhas e respondeu:
“- Sim... é uma
boa ideia!”
Entretanto continuamos
por ali acima, subindo as avenidas, desbravando aquela vaga de calor forte como
há muito tempo não se sentia. Dizia-se que era devido às alterações climatéricas
que se vinham a fazer sentir sobre todo o planeta sob a forma de destruidores
ciclones, inundações, incêndios e vagas de calor e seca. Certezas o povo não
tinha nenhuma, mas o que é certo é que havia anos em que as andorinhas chegavam
em Janeiro, quando o costume era elas começarem a chegar só em Março. Estava
extremamente difícil caminhar naquele dia: o ar estava quente demais e até custava
a respirar. Era como se inalássemos fogo.
Nos anos noventa,
com a invasão das modas, tendências e ideais estrangeiros, a coisa complicou-se
a nivel da poluição visual e Almada tinha, literalmente, todas as paredes
escritas, rabiscadas, autografadas por tags
escritos com marcadores de tinta potente que custava a ser retirada. Algumas
das coisas escritas tinham sentido, mas maior parte eram ruído comunicativo,
coisas sem nexo. Eram lixo artístico, reflexo das jovens mentes vazias e
confusas que os novos tempos estavam a criar. Se a humanidade já estava
dividida em diversos ideais, nos anos noventa ela estilhaçou-se em dezenas,
centenas, senão milhares de pedaços e como não podia deixar de ser, aquilo
também chegou a Almada.
Por exemplo: o
movimento nazi chegara a Almada de um modo que, sem eu saber como, fora tocar
em jovens da minha geração e que tinham andado nas mesmas escolas do que eu.
Perguntava-me: de onde viria essa propaganda? Quem a divulgaria? Quem a
financiaria? O que ofereceria essa propaganda de tão bom que fazia um jovem que
crescera ao meu lado tornar-se um neonazi? Uma coisa era certa: ela chagara a Almada e nas paredes reflectira-se
pelas mãos do M.A.N. (Movimento de Acção Nacional), o movimento nazi português:
“ Poder Branco”... “Salvem a raça Branca”, assinado com enormes suásticas e
enormes cruzes celtas. Mas este tipo de mensagens reflectiam também uma luta que
se processava não se sabia bem onde. Por exemplo: por cima de uma inscrição nacionalista
do M.A.N. (“Por Portugal - Movimento de Acção Nacional”), havia uma cruz (X)
verde feita a spray e por baixo
lia-se, também a verde: “contra o fAscismo”
(o A circundado por um círculo)
feito, evidentemente, por um grupo anarquista. Depois ouvia-se dizer que tinha
havido conflitos com os skinhead’s no
Bairro Alto, em Lisboa, contra não se sabe bem quem.
Os anarquistas
também tiveram o seu lugar nas paredes almadenses, quando, a uma dada altura, perto
de umas eleições que não me lembro quais, se viu aparecer escrito: “Atenção!
Aviso à população: poder é corrupção!”... e “Votem carneiros!”... ou “Polícia
não é solução”... “Haverá vida depois do trabalho?”... “Ganhe quem ganhar tu
perdes. Não votes”.
E foi, então, que
Almada, perto do ano 2000, atingiu o seu auge e ficou afogada em
pinturas e rabiscos. Mas que não se confundissem as coisas: o pessoal que fazia
graffitis (belos desenhos com
mensagens escritas, ou não) eram artistas que expressavam nas paredes, belas e
até belíssimas obras de arte, as quais representavam o que o ambiente urbano
lhes transmitia. Faziam-no às escondidas porque a sociedade em geral ainda não
compreendera legalmente que, em certos locais estratégicos, o graffiti embelezava a cidade, dava-lhe
ritmo, cor e alegria... principalmente em bairros-sociais, onde a bruta
arquitectura idealizada e ali construida descorara o ponto de vista de que o
ser-humano necessitava de ver coisas belas para se sentir bem e saber o que é
bom. Ora, a existência da violência em maior parte daqueles bairros era também
um reflexo da própria paisagem urbanística que convidava a atitudes de
desinteresse e despeito para com os edifícios, para com as outras pessoas, para
com a sociedade. Mas o embelezamento da cidade, quando executado por artistas -
como eram os verdadeiros graffiteiros
- tinha um impacto belo, moderno, audaz e positivo sobre a população em geral.
E estes artistas tinham de, para além de pagar o seu próprio trabalho, ainda
fazer os graffitis às escondidas da
policia, senão, iam presos, acusados de vandalismo. Depois haviam os graffiteiros frustrados que, por não
saberem fazer coisas belas com o spray,
nem tão pouco possuírem conceitos de beleza e estética que fosse de acordo com
o conceito de beleza e estética da maioria das pessoas, limitavam-se a pintar truwap’s (que eram somente letras
grandes e gordas e maior parte das vezes mal desenhadas e mal pintadas que só
tornavam mais feio aquilo que, por vezes, já era feio) e tag’s (que eram, simplesmente, assinaturas desenhadas, copiando as
assinaturas dos verdadeiros artistas do graffiti
que, maior parte das vezes não assinavam com o próprio nome, mas com
pseudónimos). Devido aqueles truwap’s
e aqueles tag’s feitos por putos
traquinas que vandalizavam daquele modo tudo o que encontravam pela frente, é
que o graffiti ganhou tão má fama em
Almada. Por toda a cidade viam-se os tag’s
: page, rocket, krime, vogh, tms, still
e sei lá mais o quê, em paredes, caixas
de electricidade, transportes públicos, carrinhas do pão, do peixe, da fruta,
nos estores das janelas, nas portas das casas e nas paredes dos prédios, feitos
por putos com latas de spray e
marcadores escondidos por debaixo dos blusões.
Putos, agora falo para vocês: se vocês queriam chamar a atenção
e serem reconhecidos, nem que fosse à custa da difamação do graffiti, conseguiram: eu incluívos em
“Almada dos Meus Olhos”.
Fora isto, também
se liam algumas mensagens bonitas, tais como, simplesmente: “Amo-te. Ou
“Amo-te, Sofia”.
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