sexta-feira, 5 de outubro de 2012


CAPÍTULO 12

         Depois de terem sido rodadas algumas ganzas e o Miguel ter descoberto o fundo do jarro de vinho tinto com a ajuda do puto Gaspar e da Liliana, eu e ele resolvemos subir até Almada.
         Contraditoriamente ao que era usual, resolvemos ir por Cacilhas e subir até Almada, pela primeira avenida do enorme corredor de vento que atravessava a cidade de um lado ao outro, a avenida 25 de Abril
Foto: Luís Filipe Maçarico
     Diferente do que costumávamos fazer, quando íamos pelos caminhos do Vai-de Roda - continuando o caminho do Ginjal onde ele me havia encontrado e escolhermos entre subir a escadinhas do Ginjal (as quais subiam a Arriba-Fóssil, naquele tempo com duzentos e oito degraus, mas que em tempos passados, antes de ter sido em parte destruída por derrocadas, tivera muito mais), ou então, continuar em frente, passando pelo Jardim do Rio (espaço muito antigo e muito bem recuperado pela Câmara Municipal de Almada), até quase entrar nos antigos e pequenos estaleiros do Olho-de-Boi (ainda a funcionarem, mas já com pouquíssimos operários e serviços disponíveis) e depois subir a íngreme estrada para carros que ia até ao novo Miradouro da Boca do Vento (do qual se podia contemplar praticamente todo o Espaço Ribeirinho do Ginjal, assim, como toda a costa de Lisboa até ao mar). 
         Antes de entrarmos na avenida 25 de Abril, admiramos o imenso espaço vazio do terreno dos antigos estaleiros da LISNAVE que se estendia alguns quilómetros á nossa frente. Não havia muito tempo, teria sido impossível, do local em que estávamos a passar, conseguir ter a noção do tamanho daquele espaço: a quantidade de guindastes com dezenas de metros de altura, os monstruosos petroleiros, carregadores e outros barcos de grandes dimensões que estavam sempre atracados para reparações e restauros e os enormes armazéns que por ali se costumavam espalhar, tapavam, sem dificuldade, a vista sobre o horizonte que, naquele dia, se deixava descobrir até ao concelho do Seixal, do Montijo e do Barreiro, do outro lado da baía ali criada pelo rio Tejo.
          A conversa que tínhamos iniciado na tasca do Castelo tinha-se evaporado no estabelecimento com o fumo da primeira passa que o puto Gaspar puxou do charro. Mas, em mim, aquele tema ainda pairava, aéreo, sobre a minha mente, infiltrado em meus pensamentos. Por isso, quando ao subir aquela avenida pelo passeio do lado direito da mesma, me deparei com uma frase há muito escrita numa parede de um dos prédios que constituiam aquele enorme corredor de vento. Aludia a qualquer movimento do pós-25-de-Abril. Não consegui calar-me e o tema voltou novamente a sair-me pelos lábios secos do calor, daquela vez transformado numa outra prespéctiva:
         “- Se há coisa que reflecte muito bem a verdade histórica de Almada – disse eu ao Miguel - assim como o ambiente que nela se vive, são as paredes da cidade e os graffitis que nela existem.” - pelo meu tom de voz e através dos anos que o Miguel me conhecia, ele soube muito bem que eu estava predisposto a dissecar aquele assunto até ao fim... por isso, sem resistência, deixou-se levar pelo diálogo que fomos tendo em trocas de impressões, de opiniões, de visões, de experiências. E com um tom irónico, de brincadeira e cumplicidade, começamos uma conversa algo divertida:
“- Ora, se bem me lembro os graffitis começaram... começaram... ah, já me lembro: começaram na idade-da-pedra!” - dei eu como que em pontapé de saída.
“- Mas antes da idade-da-pedra não tinham já existido super-civilizações?!” - acompanhou-me ele, compincha.
“- Será que eles lá também faziam graffitis?” - perguntei apontando o indicador direito para cima num movimento de rotação de pseudo-intelectual.
“- Bem, não compliquemos...” - disse ele, também armado em intelectualóide, como se falasse na televisão - “Os graffitis começaram na idade-da-pedra: os homens pré-históricos pintavam uns bois e uns homens-macacos mal feitos à brava, umas mãos...”
“- Eu até cheguei a ver num documentário e numa revista que também existiam O.V.N.I.S. representados em pinturas rupestres...” - informei.
“- ...e em pinturas santas da época da renascença...” - mostrou-se ele entendido.
“- Bem, bem... lá estamos nós a divagar outra vez. Estávamos a falar de graffitis! Gra-ffi-tis!” - orientei.
 “- Está bem! Pronto! Então, continuando: parece que os egípcios também gostavam de pintar paredes...”
“- ...e em Pompeia também descobriram qualquer coisa escrita numa parede.”
E lá continuamos avenida acima, divertidos em nossa divagação, mas eu sempre com um objectivo em mente: compreender a realidade social em que estava inserido, suas dificuldades e as soluções possiveis. Eu tinha que escrever sobre aquele tipo de coisas.
         Em Almada, as pessoas também gostavam de escrever nas paredes e elas contavam histórias muito antigas, mas não tão antigas quanto as das grutas pré-históricas. Contavam, sim, histórias do pós-25-de-Abril de 1974... e contavam somente histórias do pós-25-de-Abril de 1974 porque encontrar coisas escritas nas paredes anteriores áquela data era difícil, ou praticamente impossível. Não porque as pessoas tivessem sido mais asseadas antes da pacífica revolução que acabara(?) com a ditadura declarada, assumida... mas, sim, porque, naquele tempo de ditadura salazarista, quando aparecia alguma coisa escrita numa parede por alguém mais corajoso que durante a madrugada se atrevia a desafiar o controle do sistema fascista, aquela ousadia era, o mais rapidamente possivel, apagada, para que as mensagens não chegassem de manhã, aos olhos daqueles que, cedo, desanimados, controlados, subjugados, iam trabalhar.
As frases eram normalmente “Morte ao Fascismo” e “Abaixo a Salazar”, ou “Morte a Salazar” e “Abaixo o Fascismo” e não duravam muito tempo em exposição. Naquele tempo também não se chamavam graffitis.
         Chamavam-se, talvez, esperança.
         Aquela era a imagem que me fora transmitida: quando o povo saía de manhã, de cabeça baixa, para se dirigir ao trabalho, era com alegria que por vezes ainda conseguia lêr algumas daquelas mensagens que o sistema não conseguira ter tempo para lavar durante a noite. Era sinal de que ainda havia alguém a fazer alguma coisa. Ainda havia alguém a resistir ao tirano. Ainda havia esperança!...
Mas, enquanto a parede era limpa, ninguém a podia ler, a não ser disfarçadamente, pelo canto do olho. Baixavam a cabeça ao passar, pois lá estavam os cães do estado, os agentes da P.I.D.E./G.D.S, a controlarem: “- Circular! Circular! Não há nada para ver! Circular! Circular!”. Mas, maior parte das vezes,  nem precisavam de dizer nada: bastava um simples olhar, a simples presença daqueles indivíduos e era o quanto bastava para intimidar o povo a deixar cair os olhos no chão.
Só que havia sempre alguém que conseguia lêr e assim a mensagem de esperança, de prece, de profecia, depressa se espalhava pela cidade, nos cafés, nas barbieirias, nas colectividades, associações, etc... mas sempre com o cuidado de verificar com cuidado quem é que estava presente quando essas coisas eram faladas, contadas com um riso na face, ou com lágrimas nos olhos, não fosse estar presente algum bufo, algum chibo, olho-vivo do Estado.
         Quem arriscava a sua liberdade, integridade física e até mesmo a sua própria vida, só para rabiscar umas coisas na parede, era porque pertencia a algum grupo de resistência organizada. Não se fazia uma coisa daquelas de ânimo leve. O medo era muito! Mas era preciso manter a moral do povo em cima, o mais que se conseguisse. Era preciso manter a esperança! Peritos naquilo tinham sido sempre os comunistas: em qualquer parte do mundo onde houvesse a opressão ditactorial, lá estavam eles a formarem grupos organizados de resistência, sindicatos, associações e qualquer movimento que podesse despoletar em qualquer coisa omissa e que desse oportunidade a conquistar alguns direitos.
 Mas se olhássemos para a história dos países onde o comunismo fora chefe de estado e onde o fracasso governativo fora flagrante e terrível por parte daqueles que representaram tal ideal, facilmente deduzíamos que, provavelmente, o comunismo só servia para aquilo mesmo: força de resistência a poderes imperialistas e totalitários.
Não porque o comunismo em si, como ideal, fosse imperfeito (pelo contrário: o comunismo era um ideal perfeito de igualdade entre todos os indivíduos de uma sociedade) mas como “ismo” tinha sido sempre expresso através do totalitarismo de homens gananciosos, em regime de opressão, de intimidação, de controle e de terror.
Pessoalmente, acredito que o comunismo nunca resultaria na humanidade. Não dentro do contexto histórico em que estávamos inseridos.
O ciclo, politicamente, era vicioso e friamente, engraçado: se a direita subisse ao poder e assumisse uma atitude totalitária, a esquerda, enfraquecida, juntava-se aos fracos e oprimidos e oferecia-lhe organizada resistência, até que a coisa, mais cedo, ou mais tarde, dava a volta e o outro lado caía...
...mas se a esquerda, por sua vez, subisse ao poder e assumisse uma atitude totalitária, a direita, por sua vez, enfraquecida, evidentemente, juntava-se aos fracos e oprimidos e oferecia-lhe organizada resistência, até que a coisa, mais cedo, ou mais terde, dava a volta e o outro lado caía...
Se algum tirano maluco subisse ao poder, com ideais mais malucos ainda e que nada tivessem a haver com a direita, ou com a esquerda, mas somente com a simples ganâcia de um louco, então, a esquerda unia-se à direita e juntando-se as duas aos fracos e oprimidos, ofereciam organizada resistência ao tirano, o qual, mais cedo, ou mais tarde, caíria também...
Coisa de doidos!
Por estas e por outras é que era muito difícil encontrar pinturas anteriores ao 25 de Abril de 1974.
Cerca de trinta anos após a revolução dos cravos viam-se ainda espalhados nas paredes da cidade, vestígios de expressões das várias vertentes ideológicas que, durante aquelas cerca de duas dezenas e meia de anos de liberdade aparente, tinham tido a oportunidade para contar, cantar e escrever aos outros o que pensavam. As paredes tinham sido utilizadas para anunciar manifestações, divulgar ideias, pensamentos e muitos tipos de informação e desabafos.
Enquanto eu o Miguel subíamos pela avenida 25 de Abril acima, íamos lendo nas paredes à nossa direita, frases vindas dos anos setenta, tais como: “Viva a ditadura do proletariado!”... “Poder Popular”... “Viva o 1º Congresso da U.J.C." (União da Juventude Comunista), assinados com foice e martelo... ou então: “Operários camponeses soldados e marinheiros unidos vencerão” sem identificação (note-se que transcrevo, com pontos e virgulas – ou sem eles - tal e qual como elas estavam escritas nas paredes).
Viam-se em muitos lugares uma esfera vermelha, completamente vermelha, tendo no interior uma estrela amarela no ‘canto’ superior esquerdo e M.E.S. escrito na parte inferior. Quando andei a investigar aquele tipo de coisas e me deparei com aquele símbolo, não soube o que era, pois, quando o 25 de Abril se deu em 1974 eu tinha somente um ano de idade. Por isso, um dia, resolvi questionar as pessoas que por ali passavam perto daqueles símbolos, sobre o assunto, ali mesmo, na rua... e deduzi que seriam as pessoas mais velhas que melhor me informariam. Porém, para surpresa minha, nenhuma delas me respondeu e até levaram a mal eu fazer-lhes aquele tipo de perguntas, ali, no meio da rua. Senti o medo delas, como se temessem estar a ser observadas por forças ocultas, tenebrosas, em complot. Era incrível: seria possível que as pessoas ainda tivessem medo de um regime fascista que caíra havia mais de um quarto de século?! Sim. Era isso mesmo. Ainda tinham medo do fantasma do ditador, mesmo depois daquele ter morrido e da ditadura assumida ter desaparecido. Mais uma vez fora-me dado a entender o quanto aquelas pessoas tinham sofrido com tal regime. Enfim... mais tarde vim a descobrir que M.E.S. queria dizer “Movimento da Esquerda Socialista”.
Eram aquelas as mensagens que os anos setenta tinham escrito nas paredes, quando a instabilidade política e a liberdade de expressão dava a qualquer um a ilusória oportunidade para tentar a sua vez de subir ao poder.
“- Realmente, este país já teve que passar por muita coisa para chegar ao ponto em que agora estamos!” - emocionou-se o Miguel... e lá vibrou o clarim: “- Tivemos que andar à chapada com mouros, espanhóis, franceses, holandeses e sei lá mais quantos daqueles que quiseram ficar com este precioso braço de terra e mesmo com estas coisas todas ainda escritas nas paredes de todo o país, ainda existe tanta gente que não dá o devido valor à liberdade que temos!”
“- É verdade!... mas ainda temos que precorrer um longo caminho até serem colocadas em vigor certos direitos e determinadas leis que, se o fossem, proporcionariam ao povo uma melhor qualidade de vida. O povo ainda está muito agarrado ao preconceito de gerações de tradições judaico-cristãs e pagãs, as quais fazem deste povo, nesta altura da história, um povo tão retrogado, tão inerte e por vezes tão mesquinho. O povo português precisa de encontrar um motivo para viver como nação: sem um motivo, só resta subjugármo-nos aos sonhos de outros... mais precisamente, ao sonho americano de uma Nova Ordem Mundial. Precisamos de um sonho, senão, seremos facilmente conquistados pelo sonho de um novo governo mundial que se espalha por todo o planeta, capitalista, materialista, ditatorial, totalitário, imperialista, de controle tecnológico absoluto, que os Estados Unidos da América e a Europa estão a espalhar através da Organização das Nações Unidas.
Nos governantes não podemos confiar: “eles” estão do lado dos “outros”. Os governantes portugueses do P.S. (Partido Socialista) e do P.S.D. (Partido Socialista Democrático) estão todos ligados á maçonaria. Na verdade, o povo português não elege ninguém quando vai ás urnas em tempo de voto: os governantes de Portugal (assim como de outros países) são previamente escolhidos nas reuniões secretas do semi-secreto e para-político Grupo Bilderberg. Os governantes portugueses têm interesses pessoais quando se subjugam mansamente às directrizes alheias aos interesses nacionais: eles sabem o que se está a desenrolar no mundo e não querem fazer parte dos excluídos. Possivelmente, muitos deles até já estão implantados com o VERICHIP, o microchip distribuido pela Digital Angel Corporation em todo o mundo, desenvolvendo, pouco a pouco, com o consentimento da população, o controle absoluto sobre cada ser humano, cada animal e cada mercadoria.” - refleti, seriamente, com ele.
Como as paredes de Almada nos mostravam, nos anos oitenta as preocupações haviam mudado e podiam-se ler frases daqueles anos, tais como: “Portugal fora da N.A.T.O.”... "Somos todos habitantes da Terra. Não à energia atómica”... “Antes activo hoje que radioactivo amanhã.”... as quais reflectiam já um Portugal integralista para com a política e economia europeia, mundial, mas, essencialmente, norte-americana.
“- Olha, lá...” - divergiu, em convite, Miguel – “... o que é que achas de irmos até lá acima a Almada Velha?”
“Sim... acho que é uma boa ideia. Mas ainda é cedo: podíamos passar pela relva e ficar um bocado por lá.” - sugeri.
“- O.k. Vamos nessa, ó Vanessa!” - entuou ele a voz como uma corneta.
“- Mas mais tarde podíamos era petiscar qualquer coisa em Almada Velha... o que é que achas?” - revelei-lhe eu a conforto monetário que tinha nos bolsos.
Ele olhou para mim, levantou as sobrancelhas e respondeu:
“- Sim... é uma boa ideia!”
Entretanto continuamos por ali acima, subindo as avenidas, desbravando aquela vaga de calor forte como há muito tempo não se sentia. Dizia-se que era devido às alterações climatéricas que se vinham a fazer sentir sobre todo o planeta sob a forma de destruidores ciclones, inundações, incêndios e vagas de calor e seca. Certezas o povo não tinha nenhuma, mas o que é certo é que havia anos em que as andorinhas chegavam em Janeiro, quando o costume era elas começarem a chegar só em Março. Estava extremamente difícil caminhar naquele dia: o ar estava quente demais e até custava a respirar. Era como se inalássemos fogo.
Nos anos noventa, com a invasão das modas, tendências e ideais estrangeiros, a coisa complicou-se a nivel da poluição visual e Almada tinha, literalmente, todas as paredes escritas, rabiscadas, autografadas por tags escritos com marcadores de tinta potente que custava a ser retirada. Algumas das coisas escritas tinham sentido, mas maior parte eram ruído comunicativo, coisas sem nexo. Eram lixo artístico, reflexo das jovens mentes vazias e confusas que os novos tempos estavam a criar. Se a humanidade já estava dividida em diversos ideais, nos anos noventa ela estilhaçou-se em dezenas, centenas, senão milhares de pedaços e como não podia deixar de ser, aquilo também chegou a Almada.
Por exemplo: o movimento nazi chegara a Almada de um modo que, sem eu saber como, fora tocar em jovens da minha geração e que tinham andado nas mesmas escolas do que eu. Perguntava-me: de onde viria essa propaganda? Quem a divulgaria? Quem a financiaria? O que ofereceria essa propaganda de tão bom que fazia um jovem que crescera ao meu lado tornar-se um neonazi? Uma coisa era  certa: ela chagara a Almada e nas paredes reflectira-se pelas mãos do M.A.N. (Movimento de Acção Nacional), o movimento nazi português: “ Poder Branco”... “Salvem a raça Branca”, assinado com enormes suásticas e enormes cruzes celtas. Mas este tipo de  mensagens reflectiam também uma luta que se processava não se sabia bem onde. Por exemplo: por cima de uma inscrição nacionalista do M.A.N. (“Por Portugal - Movimento de Acção Nacional”), havia uma cruz (X) verde feita a spray e por baixo lia-se, também a verde: “contra o fAscismo” (o A circundado por um círculo) feito, evidentemente, por um grupo anarquista. Depois ouvia-se dizer que tinha havido conflitos com os skinhead’s no Bairro Alto, em Lisboa, contra não se sabe bem quem.
Os anarquistas também tiveram o seu lugar nas paredes almadenses, quando, a uma dada altura, perto de umas eleições que não me lembro quais, se viu aparecer escrito: “Atenção! Aviso à população: poder é corrupção!”... e “Votem carneiros!”... ou “Polícia não é solução”... “Haverá vida depois do trabalho?”... “Ganhe quem ganhar tu perdes. Não votes”.
E foi, então, que  Almada, perto do ano 2000, atingiu o seu auge e ficou afogada em pinturas e rabiscos. Mas que não se confundissem as coisas: o pessoal que fazia graffitis (belos desenhos com mensagens escritas, ou não) eram artistas que expressavam nas paredes, belas e até belíssimas obras de arte, as quais representavam o que o ambiente urbano lhes transmitia. Faziam-no às escondidas porque a sociedade em geral ainda não compreendera legalmente que, em certos locais estratégicos, o graffiti embelezava a cidade, dava-lhe ritmo, cor e alegria... principalmente em bairros-sociais, onde a bruta arquitectura idealizada e ali construida descorara o ponto de vista de que o ser-humano necessitava de ver coisas belas para se sentir bem e saber o que é bom. Ora, a existência da violência em maior parte daqueles bairros era também um reflexo da própria paisagem urbanística que convidava a atitudes de desinteresse e despeito para com os edifícios, para com as outras pessoas, para com a sociedade. Mas o embelezamento da cidade, quando executado por artistas - como eram os verdadeiros graffiteiros - tinha um impacto belo, moderno, audaz e positivo sobre a população em geral. E estes artistas tinham de, para além de pagar o seu próprio trabalho, ainda fazer os graffitis às escondidas da policia, senão, iam presos, acusados de vandalismo. Depois haviam os graffiteiros frustrados que, por não saberem fazer coisas belas com o spray, nem tão pouco possuírem conceitos de beleza e estética que fosse de acordo com o conceito de beleza e estética da maioria das pessoas, limitavam-se a pintar truwap’s (que eram somente letras grandes e gordas e maior parte das vezes mal desenhadas e mal pintadas que só tornavam mais feio aquilo que, por vezes, já era feio) e tag’s (que eram, simplesmente, assinaturas desenhadas, copiando as assinaturas dos verdadeiros artistas do graffiti que, maior parte das vezes não assinavam com o próprio nome, mas com pseudónimos). Devido aqueles truwap’s e aqueles tag’s feitos por putos traquinas que vandalizavam daquele modo tudo o que encontravam pela frente, é que o graffiti ganhou tão má fama em Almada. Por toda a cidade viam-se os tag’s : page, rocket, krime, vogh, tms, still e sei lá mais  o quê, em paredes, caixas de electricidade, transportes públicos, carrinhas do pão, do peixe, da fruta, nos estores das janelas, nas portas das casas e nas paredes dos prédios, feitos por putos com latas de spray e marcadores escondidos por debaixo dos blusões.
Putos, agora falo para vocês: se vocês queriam chamar a atenção e serem reconhecidos, nem que fosse à custa da difamação do graffiti, conseguiram: eu incluívos em “Almada dos Meus Olhos”.
Fora isto, também se liam algumas mensagens bonitas, tais como, simplesmente: “Amo-te. Ou “Amo-te, Sofia”.

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