INTRODUÇÃO
Deste modo se
apresentava Almada na internet, num site
da Câmara Municipal de Almada, no
endereço www.m-almada.pt:
"Almada
é, pela sua História, pela sua localização e pelas suas características
naturais, um local privilegiado onde há muito para oferecer. A sua proximidade
a Lisboa e as belíssimas paisagens na ligação terra - rio - mar dão-lhe
características únicas.
"A grande extensão de areia fina e águas temperadas trazem a Almada milhões de pessoas no Verão, que para além da beleza natural das praias, procuram a riqueza ambiental da Arriba Fóssil da Costa de Caparica e das matas envolventes.
"As ruas de Almada Velha e o Cais do Ginjal são lugares onde os elementos naturais e construídos estão interligados, com o rio presente e perto, constituindo um espaço onde ninguém consegue ficar alheio a esta Velha - nova realidade.
"Equipamentos culturais e desportivos de topo, como o Fórum Romeu Correia, a Casa da Cerca, o Solar dos Zagallos, o Teatro Municipal ou o Complexo Municipal dos Desportos Cidade de Almada, entre outros, comprovam a intensa vida cultural e desportiva de Almada, onde a tradição centenária do associativismo se espelha na actividade das mais de duas centenas de colectividades e associações do Concelho."
"A grande extensão de areia fina e águas temperadas trazem a Almada milhões de pessoas no Verão, que para além da beleza natural das praias, procuram a riqueza ambiental da Arriba Fóssil da Costa de Caparica e das matas envolventes.
"As ruas de Almada Velha e o Cais do Ginjal são lugares onde os elementos naturais e construídos estão interligados, com o rio presente e perto, constituindo um espaço onde ninguém consegue ficar alheio a esta Velha - nova realidade.
"Equipamentos culturais e desportivos de topo, como o Fórum Romeu Correia, a Casa da Cerca, o Solar dos Zagallos, o Teatro Municipal ou o Complexo Municipal dos Desportos Cidade de Almada, entre outros, comprovam a intensa vida cultural e desportiva de Almada, onde a tradição centenária do associativismo se espelha na actividade das mais de duas centenas de colectividades e associações do Concelho."
... existe, porém, algo que não é
referido...
CAPÍTULO 1
Estávamos os três
sentados nos bancos-de-jardim, de maçarocas na mão, no Largo da Oliveira, onde
se situava o chafariz do Pragal. Eu tinha um banco só para mim. O Carocha e o
Lopes estavam os dois sentados no banco à minha direita a falarem, enquanto eu
acabava de comer o milho: tínhamos vindo ajudar o Carocha a transportar água
até à sua casa... é que ele morava numa casa que ele próprio construíra com pedaços
de pau, de madeira, de chapa e pedra e não tinha água canalizada, nem
electricidade; por isso, todos os dias tinha de ir buscar água ao chafariz do
Pragal.
Era noite.
Silenciosa madrugada. A conversa entre eles os dois estava animada: falavam em
desenhar aquele velho sítio segundo a perspéctiva em que estavam sentados, até
que se lembraram de outros locais do concelho de Almada que também gostariam de
desenhar... mas tinham de ser sítios antigos... que possuíssem e neles se sentisse história!
Passado algum
tempo, saímos dali e lá fomos os três: eu, ele e o Lopes.
Caminhámos sob o
manto sufocante da noite que saía da terra depois de um dia de imenso calor,
carregando garrafões de vida! Subimos a larga estrada, já pingando suor devido
á força que faziamos enquanto andávamos com o peso dos recipientes que nos esticavam
os braços. Mais acima, a estrada começava a estreitar no lado direito por um sécular
muro que a erosão nos revelava ter sido feito com pedaços de fósseis da Arriba
Fóssil desta margem do rio Tejo. À nossa esquerda, uma barreira de canas.
Depois, inesperadamente, a visão abria-se e libertava o nosso olhar para uma
rotunda enfeitada com uns jorros de água, deixando a nossa visão voar pelo
espaço de um enorme terreno que por trás dela se estendia e no qual se situava
a imponente imagem do Cristo-Rei. Aquele terreno alongava-se até um precipício
que caìa para o rio Tejo dezenas de vertiginosos metros abaixo, ampliando-se
através dos terrenos do Seminário, em vários hectares de Natureza verde e,
praticamente, imaculada... tudo aquilo pertença da Igreja Católica. No lado
direito acompanhava-nos o muro do campo de futebol do Almada Atlético Clube.
Estávamos no topo
da cidade, no ponto mais elevado de Almada.
Naquela noite o
Carocha ainda teve ajuda e levámos cerca de quarenta litros de água. Mas nas
outras vezes tinha de ser ele sozinho a fazê-lo. Não quando algum de nós e
outros aparecíamos... mas maior parte das vezes era ele sozinho que carregava
com os garrafões... com os seus cães... com a sua casa... com o seu pequeno
espaço de terra... com a sua pobreza.
Ele vivia numa das
últimas centenas de casas clandestinas que existiam na freguesia de Almada, mas
estava tão bem escondida que poucos sabiam da sua existência e para nós era
como que um refúgio à confusão da cidade. Era quase como se voltássemos ao
campo: hortas de couves, batata e algum milho; figueiras que tinham crescido
sem impedimento, ou podagem... e na Primavera e no Verão muito mato que se
quedava pela descida pouco íngreme daquele emaranhado de quintinhas. Era quase
como se voltássemos ao campo. Quase. Nós pertencíamos ás últimas gerações que
haviam conhecido o lado campestre do concelho, antes da transformação material,
social, cultural e a tantos outros níveis que, nos últimos anos vinha a
acontecer em Almada, a uma velocidade, cada vez mais, vertiginosa. Maior parte
de nossos pais tinha vindo do interior de Portugal para procurarem na região de
Lisboa a sorte e através deles viajávamos muitas vezes até ao lado rural do
país, para visitar os avós... e coisa que aquilo não era, era campo! Era, sim,
um espaço de terra que ainda não tinha sido vendido pelos donos a algum
financeiro que o tapasse com cimento e alcatrão em algum rentável projecto imobiliário
e que ainda era aproveitado por alguns que o cultivavam... todos eles, velhos
agricultores.
Sentíamos saudade
daquele contacto com a terra que nos lembrávamos de sentir quando éramos
crianças, em nós e no povo almadense em geral... contacto tal que nos estava a
ser roubado pelo império capitalista, consumista e materialista que conquistava
todo o planeta. Ânsias de ter e de poder tinham invadido a cidade. Por isso, o
humilde espaço do Carocha, ainda com a terra de cultivo a oferecer-se à
semente, era, para nós, uma fuga à cidade e uma oportunidade de nos
encontrarmos conosco próprios.
Às vezes a casa do
Carocha ficava cheia de gente animada que falava, ria, jogava às cartas, fumava
haxixe e tabaco; que bebia vinho tinto e Aldeia
Velha esverdeada pelas folhas de canábis que o Carocha colocava lá para
dentro a fermentar durante alguns meses. Gente que falava sobre temas
complexos, sobre os quais eu ouvia outros a falarem, mas que naquele espaço os
ouvia de um modo - senão tanto, ou mais inteligente - pelo menos mais honesto e
sóbrio, o que destoava, completamente, daquele ambiente de consumo de venenos.
Em algumas noites
de Verão - ou sempre que as outras estações do ano deixassem - sentávamo-nos á
volta de uma fogueira que o Carocha ateava no terreno, cada um sentado naquilo
que encontrava por ali (cadeiras, caixas de madeira, gavetas de antigos móveis,
tijolos, tudo coisas que aquele ermita urbano encontrava pela cidade);
tocávamos violas, cantávamos hinos á liberdade inventados no momento, ou
rebuscados na memória lusa; batucávamos em algum jambé trazido por alguém, ou
nos objectos por ali espalhados, ou até mesmo nas pernas; os charros iam
rodando, tal e qual um cachimbo da paz que selava a união entre todos, pelo
menos, momentaneamente. Mas era assim quando o Carocha tinha companhia, porque,
maior parte dos dias e das noites tinha de ser só ele, com os seus cães, o seu
rádio e a sua vida.
Naquela noite,
quando eu e o Lopes deixámos o Carocha já passava das três da madrugada.
Descemos à cidade
para dormir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário