terça-feira, 11 de setembro de 2012

CAPÍTULO 6


Depois de ter escrito alguns ensaios daquilo que se veio a tornar Almada dos Meus Olhos, sai do Forum e penetrei novamente na atmosfera de calor em chapa que estava cada vez mais insuportável. Rasguei o quente que, cúmplice, ajudava a gravidade a empurrar o corpo para baixo do cansaço. Procurei um lugar fresco em que podesse render-me á vontade áquela força criadora que, para além da minha vontade, me pedia para obrar em inspiração escrita.
Tantas eram as vezes que eu caminhava pela cidade sem saber muito bem onde parar para deixar o espírito da criação materializar-se no papel. Maior parte das vezes, só depois de muito caminhar e sonhar é que conseguia parar para verbalizar o que descia dos mais elevados níveis de Sabedoria inata até ao lado consciente que através de mim se expressava. Muitas das vezes parava em locais, aparentemente, tão pouco inspiradores, que até parecia impossível que podésse escrever algo de belo, vivificante e positivo em sítios como aqueles. Só que eu não os escolhia: cego ao ambiente que me circundava, qualquer sítio em que parásse era o sítio escolhido pela Providência quando em meus devaneios pela cidade, eu sentia que era tempo de dar á luz.
E mais uma vez deambulei sem destino, respirando o bafo fervente que mais parecia o calor alentejano quando imobilizava tudo com a sua queda sobre a Mãe-Terra. O cheiro a mato seco, algo perfumado, entrava-me como fogo doce pelas narinas até ao seco da garganta que já pedia água havia algum tempo.
Visão antiga da Praça MFA (Movimento das Forças Armadas)
e início da Av D. Afonso Henriques
Atraído pela sombra, atravessei a praça São João Baptista e virei á direita, descendo a continuação da larga avenida D. Nuno Álvares Pereira. Lá ao fundo, mais em baixo, no horizonte, dislumbrava o Tejo por cima do topo dos edifícios que formavam o corredor artificial das avenidas que desciam até á beira do rio, criando a ilusão de que este ficava acima do nível em que me encontrava, quando, evidentemente, era exactamente o contrário. O corredor de vento daquelas avenidas subia desde a beira-rio da freguesia de Cacilhas (também pertencente ao concelho de Almada), primeiro pela avenida 25 de Abril, depois pela avenida D. Afonso Henriques e até à avenida D. Nuno Álvares Pereira (onde eu estava), refrescando a cidade e levando para longe os fumos das chaminés dos prédios, o ar viciado dos ares-condiccionados, o monóxido de carbono dos escapes dos milhares de automóveis que passavam e circulavam por Almada. Mas naquele final de manhã, a fraca brisa que esforçadamente subia por ali acima, era morna e com gravidade de ócio e pouca diferença fazia tanto ao nível da limpeza, como do arrefecimento. Encostei-me ao passeio público do lado direito e desci pela sombra até á praça do Movimento das Forças Armadas, mais conhecida como praça da Renovação, separando a avenida em que eu estava e a seguinte.
Pela praça da Renovação, em Sábado típico, passavam num só dia milhares de pessoas ás compras, ou trabalhando: a menina da ourivesaria vinha a atravessar a avenida na minha direcção e dirigia-se ao banco que ficava ali na esquina da praça... lá mais ao fundo uma pequena papelaria onde se podiam comprar papéis das finanças, selos para o carro, etc., era concorrida por uma fila de espera que se estendia até á rua... do centro comercial Faraó onde entravam algumas pessoas, saia um cheiro a bafio opaco de espaço fechado e velho, apesar da aparência renovada que lhe tinham dado... o pessoal da Câmara Municipal de Almada estava no centro da praça, lentamente atarefado - como era usual na sua metodologia de trabalho: conservavam arranjado o pequeno espaço verde que enfeitava a estátua Os Perseguidos - estátua eregida em honra daqueles que "deram a liberdade e até a própria vida pela liberdade dos outros" durante o regime fascista. Naquele pequeno espaço verde estava artisticamente bem representado o selo da cidade com flores de várias cores, passando, evidentemente, pelo azul e o amarelo que eram as cores da bandeira da cidade. No meio dos trabalhadores vi o Santos, um angolano que costumava tocar viola conosco no antigo miradouro Luis Queirós, no tempo em que o novo império capitalista e mateirialista ainda lutava pela conquista da cidade, empurrando o que não lhe interessava para os extremos mais recônditos, a fim de poder expandir os seus tentáculos ao que lhe interessava: ali, no centro da praça, na atitude típica dos trabalhadores da câmara, o Santinho (como lhe gostávamos de chamar) olhava com mais dois para a máquina de cortar relva que um quarto domava ferozmente na sua vez de mostrar serviço; os outros, descontraidamente, seguravam as ferramentas numa postura de quem tinha parado naquele instante e que ia já, já começar a trabalhar. Estive quase a acenar ao Santinho, mas a confusão automóvel que empatucava a rotunda esticava enormemente a pequena distância entre nós os dois; por isso continuei pela sombra e já quase a sair da praça, vi do outro lado os jovens de outrora em enorme massa de terceira idade: estavam por ali parados, como todos os dias, por não terem mais nada para fazer e mais nenhum sítio para ir a não ser ir ter com os seus antigos companheiros de armas, de trabalho, ou com os conhecidos da vida diária de poucas afinidades, para lerem o jornal, beber uma bica ali pelo café Central, pelo Dragão Vermelho, ou pela Socopal, que ofereciam esplanadas cobertas de sombrinhas na vã tentativa de tornar confortável aquela vaga de calor. Como não podia deixar de ser, os velhos fumavam os seus cigarros entre conversa já gasta de tanto tempo de uso, mas que, teimosamente, todos os dias era recuperada por alguma discussão proporcionada por algum jogo de futebol, alguma notícia mais destacada, ou alguma coisa que fizésse daquele dia mais um dia de esquecimento para com o inevitável destino que deles se aproximava, provavelmente, em passadas mais largas do que dos jovens do Jardim do Castelo. Talvez. Gostavam de parar na rua a contemplar os trabalhos realizados na via pública pelos empregados do estado: eles eram os "engenheiros-de-obra" como muitos brincavam de tão fácil que era vê-los assim, parados, a trocarem impressões entre si sobre a melhor maneira das coisas serem feitas nas obras que pelo concelho se espalhavam, enquanto olhavam os outros a trabalharem.
As vozes de velhos, todas juntas, criavam, na praça, uma nuvem de um som uníssono que se elevava acima do trânsito, o qual, nem por isso, deixava de conquistar a sua cotação na poluição imensamente sonora que por toda aquela praça dançava bêbeda.
Disfarçados de quem não os conhecia estavam também sentados nas esplandas os consumidores de heroína e alguns pequenos traficantes de rua, também eles ajudando a compôr a orquestra da praça: aquele era o rodopio do império consumista, capitalista e materialista que toda a cidade bailava, exibindo os seus bailarinos e o modo como eles dançavam.
De seguida desci a avenida D. Afonso Henriques (menos movimentada por peões) até chegar á praça Gil Vicente, mais conhecida como Fonte Luminosa, devido ao jorro de água que se encontrava no centro da rotunda e que de noite ficava iluminado por quentes holofotes laranjas. Poderia ter descido a avenida 25 de Abril que se estendia larga, por ali abaixo, até chegar ao limite esquerdo dos terrenos do antigo estaleiro naval, a Lisnave... mas invés disso, resolvi descer a rua Comandante António Feio, que ficava paralela á avenida e a qual era consideravelmente mais estreita e humilde. Passando o alto edifício em que ficava o Centro Comercial de Almada, aquela rua dividia-se em prédios de quatro andares e de arquitectura tipicamente ditadurial dos anos cinquenta, sessenta á esquerda e as pequenas casas centenárias á direita, que contavam histórias de Cacilhas lá do tempo dos burros, das cilhas de água e das fotografias a preto-e-branco nas quais as pessoas pareciam mais baixas e mais feias do que as pessoas contemporâneas.
Antigo quartel dos Bombeiros Voluntários de Cacilhas
Entrando definitivamente na zona velha de Cacilhas, após ter passado o antigo quartel dos soldados da paz, os Bombeiros Voluntários de Cacilhas, fui recebido pelo intoxicante cheiro a sardinhas assadas e carne tostada pelas brasas dos fogareiros dos imensos restaurantes que me acompanharam até ao fim da rua, invadindo, sem permissão, os narizes que por ali passavam. Confirmavam-me que estava bem próxima a hora de almoçar para quem seguia a convencional hora para tal se fazer... mas quando é que era hora de almoço? Quando se tinha fome, ou quando o modo como a sociedade funcionava nos permitia comer? Devido ao meu controlado empolgamento, coisa que eu não tinha era fome... pelo menos não física... o que eu sentia era mais como que uma sede de elevação, de sobriedade e clareza que eu não vira ser emitido por qualquer um daqueles por quem me tinha cruzado até ali. Passei pela igreja de Nossa Senhora dos Prazeres e cheguei ao enorme largo Alfredo Dinis que se abria á minha frente, terminal dos autocarros que fazem as carreiras da chamada margem sul do Tejo, mais conhecido como, simplesmente, largo de Cacilhas.
O calor naquele grande espaço aberto era realmente sofucante e quase insopurtável devido ao calor do Verão misturado á brasa emitida pelos tubos de escape dos autocarros que, preguiçosos e distraídos, ficavam parados imenso tempo com os motores ligados, sem uma brisa que ajudasse a arejar o ar dos venenos que por eles eram emitidos... sofucante também devido aos autocarros que lá entravam, saiam, ou estacionavam... devido ao movimento automóvel que, em carrocel, por ali circulava nos "barcos-grandes" cor-de-laranja – que, para além de pessoas, faziam também a travessia de automóveis para Lisboa... ou devido aos automóveis que vinham deixar pessoas á porta do cais para se aventurarem até á capital; outros, simplesmente, faziam passeios até Cacilhas.
Largo de Cacilhas
Sendo ali o local em que os barcos da Transtejo atracavam trazendo e levando pessoas entre Almada, Lisboa e a Expo 98, era, estrategicamente, a melhor posição quer para o terminal de autocarros, quer para a praça de táxis, assim como para os restaurantes especialistas em marisco, peixe e todo o tipo de frutos do mar, para algumas pensões baratas que tantas vezes serviam de abrigo, não tanto a turistas e visitantes da cidade propriamente ditos, mas mais a amores clandestinos.
Aquilo era, tipicamente, um ambiente fluvial já misturado pelas características do Novo Estado mundial, com pescadores que atracavam os seus barcos ao estreito caminho ribeirinho do Cais do Ginjal, ou nos pontões flutuantes da Transtejo, contrastando com os topos de gama autóveis que por ali estacionavam... haviam pescadores de cana em punho, de volta a casa, vencedores, ou derrotados, pelo rio que escolhia a quem ofertar os seus frutos cruzando-se com fatos e gravatas... haviam os pescadores que, em sentido contrário, passavam para o cais ainda esperançosos de que, umas horas ali espalhados ao longo do caminho, bastássem para chegarem a casa recompensados com um jantar, para eles, delicioso, enquanto grupos de pessoas, ou casais, deixavam os topos de gama e iam gastar pequenas fortunas nas marisqueiras... homens de fato-de-macaco azul, pertencentes ás oficinas de reparação da Transtejo viam-se também a andar por ali em passos de trabalho sem pressa... velhos alcoólicos que se arrastavam pelas tascas, pelos cafés e pelos restaurantes, já que aqueles restaurantes, apesar do bom serviço que apresentavam, continuavam, inevitavelmente, a ter um não-sei-quê das velhas tascas e tabernas do século dezanove, princípios do século vinte, que atraia aquelas pessoas doentes em busca do quente alcóol, uma vez que o calor que a todos castigava não lhes chegava tão ilusoriamente perto da alma quanto o ardor de um bom vinho tinto das beiras, de uma aguardente do Ribatejo, ou de uma ginja de Óbidos... ouviam-se pregões dos vendedores de lotaria que deambulavam por toda  Cacilhas, assim como os pregões dos vendedores de fruta que estacionavam seus triciclos motorizados mesmo em frente aos portões de saída dos passageiros dos barcos vindos da capital... debaixo dos toldos de uma das poucas tascas ainda existentes no meio dos restaurantes, estava um engraxador de sapatos, sentado, a puxar lustre à vaidade de um quarentão com estilo de quem frequentava as casas-de-alterno que existiam em frente ao terreno dos antigos estaleiros da Lisnave - e teria havido melhor lugar para abrir casas-de-alterno em Almada do que em frente aos estaleiros da Lisnave, nos quais, antes daqueles fecharem, chegavam homens de todo o mundo que haviam passado imensos meses no mar sem mulher alguma por perto?!... 
Quanto senti o suor da inspiração a subir-me pela espinha acima estava perto de uma pequena esplanada, onde me decidi sentar e pedir um sumo fresco de maçã para me acompanhar nas linhas que me preparava para desenvolver...
... e comecei por apontar tópicos e os pontos de vista que tinha sobre a situação política, social, económica, cultural, desportiva, educativa em Portugal... e principalmente na cidade em que vivia... e juntamente com que eu sentia em relação a tudo aquilo, comecei por fazer uma análise, mais ou menos profunda, da realidade que me afectava e da realidade que afectava as pessoas que eu conhecia e que eu via nas ruas da cidade de Almada...
... e deixei-me levar ao sabor do que escrevia...
O que eu sentia era como que uma urgência qualquer que me afligia até aos ossos... e por mais que escrevesse nem sequer me aproximava de a aliviar, nem tão-pouco de a descrever, pois, o que eu sentia era como que um prenúncio de morte e destruição... como o silêncio que sentimos entre um relâmpago e um trovão... e muito bem sabia eu que era praticamente inútil escrever... escrever para quê? Para quem? Portugal estava nitidamente, obviamente a afundar num não-sei-quê espiritualmente depressivo e isso via-se a olho-nú por qualquer um que parasse para contemplar o movimento de nossas cidades. Mas o que fazer para mudar isso? Escrever sobre tal coisa? E mesmo que alguém lesse o que fosse escrito, o que é que iria mudar em alguma coisa sobre... sobre... sobre aquela condição inevitável que eu era ao ser um ser existente, sentindo-me presente, naquele "aqui" que estava em todo o lado para onde eu ia, mesmo quando ainda estava no ir, ou quando ainda estava para ir? Era aquele presente que, verdadeiramente, me inquietava com a sua presença silenciosa e ambígua... que me fazia sentir sempre o "aqui" e o "agora", cada vez com mais força, com mais intensidade, com mais profundidade, com mais elevação, pois, cada vez mais andava menos distraído de mim mesmo e do todo ao meu redor... mas de que servia escrever sobre as coisas boas e sobre as coisas menos boas que eu via acontecerem naquela cidade? Ou no mundo? Será que eu queria mesmo colocar aquela gota de água na história do planeta? E para quê?!!!
A par da relação com os outros seres humanos, a maior dificuldade que eu sentia encontrava-se no desperdício de tempo da minha existência em prol das exigências que a sociedade me fazia com os seus parâmetros de sobrevivência: trabalhava horas demais na minha existência diária... e utilizava horas demais nos incómodos transportes públicos - tantas vezes abarrotados de pessoas - só para ir para o trabalho e para voltar para casa... e para quê? Para quê?! Para ter comida e bebida no frigorífico e na dispensa... para ter roupa para me aquecer no Inverno e para me fazer parecer bonito no Verão... para ter luz que me iluminasse as noites, que me tornasse a vida mais cómoda através dos electrodomésticos e para me ajudar a distrair todos os dias com a televisão... para ter água para tomar banho, lavar a louça e a roupa... para ter gás para cozinhar, para me aquecer e para aquecer a água do meu banho... e para ter um tecto para dormir e descansar da azáfama em que me metia para pagar o mesmo tecto e tudo o que debaixo dele existia... quando podia muito bem utilizar maior parte das horas do meu dia na descoberta, na lembrança e na definição real daquilo que, naturalmente, inatamente, expontaneamente, eu era.
Por isso mesmo é que os Sábados eram os melhores dias para criar, pois, sendo o primeiro dia da semana sem trabalhar, era o dia que proporcionava ficar acordado até ás horas que o corpo deixásse e que o espírito quisesse.
Naquele dia da semana andava pela cidade desde manhã cedo a confirmar o que já sabia: que maior parte da humanidade não pensava a fundo, mesmo a sério, sobre o significado da sua existência e invés disso, escolhia viver a vida como uma embriaguês de boémio, cheia de certezas e razões, métodos e horários, gostos e tendências que somente a levavam a construir um mundo como aquele a que assistiamos como público e como personagens principais.
Cada um de nós era vítima e culpado na história que se estava a desenrolar.
Mas não eram só os homens que estavam a ameaçar a vida na Terra com os seus comportamentos ignorantes de cobiça, de ganância, de vaidade, de luxúria, famintos por ter e poder. Segundo o que constava nos antigos ensinamentos de velhas tradições do planeta - apesar de serem tradições muito distintas entre em si em localização física e temporal - era que maior parte da humanidade, assim como maior parte da vida na Terra, corriam o risco de serem destruídas por uma vontade alheia aos humanos.
Seria verdade?
Segundo tais prespectivas, tal coisa resultaria de movimentos cíclicos do próprio planeta, os quais davam origem ao dia e à noite, às estações do ano e, em ciclos maiores, à deslocação dos eixos polares... ora, em consequência do movimento dos eixos polares (coisa que não era levada muito a sério por maior parte da comunidade científica daquele tempo) moviam-se também a crosta terrestre, os continentes e as camadas geladas. Naquelas antigas tradições constava-se que um dos ciclos era extremamente mortal para toda a humanidade, na qual maior parte desaparecia da face do globo junto com maior parte dos seres vivos, devido à sua incapacidade de resistir a mudanças tão bruscas, tanto climatéricas, como geográficas, causadas por um movimento a que se chamava "precessão dos equinócios". Contavam estas tradições que tal movimento fazia com que a Terra rodásse de tal maneira que - do modo como era representado o planeta em mapas mundi e globos terrestres - os pólos horizontalizavam-se na linha do equador e a linha do equador verticalizava-se para os eixos de rotação do planeta.
Contava-se que antes do último movimento daquele tipo que acontecera no planeta, existiam civilizações, tecnologicamente, tanto, ou mais, avançadas do que a nossa e que, naquele tempo, quem tinha acesso às altas tecnologias, sobrevivera, fugindo para outros sistemas de planetas, semelhantes ao Sistema Solar. As pessoas que tinham ficado no planeta e sobrevivido, ficaram a ser o único elo de ligação com o passado, para contar às gerações vindouras o que se passara e o que tinha sido a vida na Terra antes de tal infurtúnio ter sucedido à humanidade... só que dentro dos parâmetros da pouca instrução, conhecimento e educação que tais pessoas possuiam, era natural que, enquanto eu escrevia “Almada dos meus olhos”, a humanidade vivesse uma incrível amnésia de conveniência em relação à era pré-dilúvica, onde, o pouco que era recordado, era lembrado sob a forma de lendas, mitos e alegorias, já que os sobreviventes daquele enorme cataclismo, não conseguiram explicar muito bem aos seus descendentes o que verdadeiramente acontecera... e digo “amnésia de conveniência” porque havia quem já tivesse descortinado muita coisa sobre a história humana muito para além daquele dilúvio, só que não interessava aos poderes instituídos que tais versões e descobertas arqueológicas tivessem ecoassem pelo mundo da educação oficial, nem que tivessem voz activa no desenvolvimento político, económico e socio-cultural que aquele império consumista/ materialista/capitalista estabelecia.
Admitir, por exemplo, a existência de civilizações tecnologicamente avançadas 100 000 anos antes, era admitir, por exemplo, ao nível da história religiosa que o ocidente cristão possuia, que o Homem não havia nascido de Adão haviam cerca de sete mil e tal anos (considerado pela Bíblia como o primeiro homem criado por Deus) mas era, sim, admitir que – mesmo que não constituídas por homens - civilizações tinham já existido antes daquele que era considerado como tendo sido o primeiro de todos os homens e pai da humanidade.
E se tivessem realmente existido seres civilizados tanto tempo antes, implicaria que - seguindo a lógica de que uma sociedade, ou comunidade, se desenvolvia até ao nivel de civilização e não nascia já civilizada - já existiriam seres civilizados e civilizadores haviam, pelo menos, 150 000 anos.
O que pensar, então, de descobertas de objectos tecnologicamente construídos, incrustrados em minérios de 600 milhões de anos? Ou em cristais de 2 bilhões de anos?
Ora, admitir a existência de humanos civilizados uma centena de milhares de anos antes perante a comunidade científica creditada pela humanidade em geral, seria dizer áquela que, o que ela tomava como certo (de que o Homem descendia de símios e que, cerca de 50 000 anos antes do tempo presente, era um ser pré-histórico que vivia a idade-da-pedra) estava errado!...
E aquilo era coisa extremamente difícil de se fazer, já que, segundo os tais poderes instituidos, ou acreditava-se na teoria da criação, ou acreditava-se na teoria da evolução. Não queria dizer que estivessem erradas tais teorias. Possivelmente até estavam as duas correctas, quando pareciam opostas e contraditórias. O Homem até podia ser, ao mesmo tempo, produto evolutivo de uma criação (sabe-se lá por que criador). Haviam muitos equívocos e o intervalo de tempo em que a história humana era colocada em várias vertentes ideologicas do planeta era demasiado curto! Outros vestigios arqueológicos assim o confirmavam: esqueletos com centenas de milhares, ou até mesmo milhões de anos e construções com milhares, dezenas, centenas de milhares de anos, tanto na superfície terrestre, como no fundo do mar, demonstrando pela arquitectura um conhecimento cosmológico imenso, confirmando que a história civilizacional da humanidade no planeta Terra não podia ser assim tão curta, mas que, em algum ponto do passado, algo havia acontecido que nos fizera esquecer quase completamente tudo o que para trás se passara.
Fora o dilúvio!
Ora, depois de tantos cientistas terem alcançado a posição influente que haviam alcançado perante a comunidade científica mundial (muitas vezes, à base daquelas falsas teorias, mas sem saberem que as eram, ou pior, e sabiam, mas a integração social, o respeito e o reconhecimento no meio científico, falavam mais alto do que a descoberta e exposição da verdade) era compreensível que aqueles mesmos senhores tivessem medo de perder o estatuto que tinham conquistado naquele meio, caso aquelas supreendentes revelações começassem a ser levadas a sério. Era também compreensível que, daquele modo, houvesse quem tentasse a todo o custo que tais teorias caíssem nas malhas do ridículo, ou pelo menos, sobre a forma lendária e mitológica quando alcancassem a opinião pública. Por outro lado, já muita tinta correra e muitas enciclopédias tinham já sido feitas por universidades mundialmente conceituadas, as quais defendiam todos aqueles pontos de vista erróneos da história humana, o que tornava ainda mais difícil o levantar da ilusão que se vivia em relação a tais questões. Depois ainda haviam os programas escolares e universitários que tinham sido criados por tais instituições e pelas tais universidades e pelos tais senhores que tinham conquistado o seu pedestral à conta de tais teorias, através das quais haviam formado gente tão conceituada na história humana, como por exemplo, políticos, financeiros, juizes, magistrados, cientistas, filósofos e outros influentes mais. Aquelas bases humanas de conhecimento duro-de-roer existiam haviam algumas gerações e seguiam e desenvolviam-se segundo aquela prespectiva histórica instituida, logo, a renovação daqueles programas escolares seria uma obra extremamente trabalhosa e de contra-vontade de muito boa gente, tendo em conta (a isso adiccionando) que a coisa que as instituições mais temiam que acontecesse era a sua própria extinção. O que os cientistas não entendiam, ou não queriam entender, era que aquelas hipóteses menos correctas em que eles se apoiaram e, por consequinte, apoiaram toda história da humanidade (pelo menos no ocidente), é que haviam feito com que se tivesse chegado a descobrir o fantástico e maravilhoso verdadeiro passado de que a humanidade era herdeira. Qualquer cientista sabia que o conhecimento, quando não descoberto “por acaso”, era desvendado através de tentativa/erro, o que seria o mesmo que dizer que, apesar de o levantar de tal véu histórico ir colocar em risco a sobrevivência do modo como tais instituições estavam organizadas, não colocaria em risco a sobrevivência e importância das próprias instituições e das pessoas que as constituiam. Até pelo contrário: o conhecimento e a experiência daquelas pessoas no campo da investigação científica iriam ser determinantes para o descortinar da verdade sobre o passado humano comum. Porém, o medo, o preconceito, a vaidade, a cobiça, a ganância e a aflição de espírito tornava-os cegos para tais factos e renitentes a deixar os pelouros a que se tinham apegado: os velhos recusavam-se a dar lugar aos novos.
Mas, afinal, o que importava a um cidadão comum, durante o seu dia-a-dia de luta pela sobrevivência na obtenção do vil-metal, coisas que se haviam passado centenas de milhares de anos antes? O que importava ao almadense comum se a história das escolas, das universidades e dos meios científicos era verdadeira, ou não? Nada! Não importava coisa alguma! Todos andavam atarefados demais com a azáfama da sua rotina, pouca importância dando a coisas que, no fim de contas, poderiam, de um modo, ou outro, desvendar o que se encontrava por detrás da cortina que incobria a razão da sua existência, assim como a razão da existência de tais cataclismos e consequentemente, descobrir como evitar cair nos mesmos erros destrutivos de eras muito remotas!
“- Eu quero é chegar ao fim do mês e ter o bastante para dar pão aos meus filhos!” - haviam-me afirmado tantas vezes tantos que julgavam já ter descoberto a melhor maneira de andar á superfície do planeta.
Naquele tempo já a superfície da Terra estava a ser pontualmente desvastada por tremores-de-terra, inundações, ciclones e tempestades, incêndios de grandes dimensões, entre outras destrutivas forças da Natureza... mas uma das razões - senão a principal - que levava a que tais cataclismos fossem tão desastrosos era o modo desrespeitante como o Homem tratava a sua Mãe-Natureza, tanto naquela era, como em eras passadas. O método de vida cada vez mais anti-natural que a humanidade levava, além de a tornar cada vez mais impotente para lidar com tais situações, afastava-a, cada vez mais, da compreensão de que o método de vida que ela própria praticava é que criava tais ocorrências catastróficas e de que a vida que ela própria vivia era, ao mesmo tempo, consequência de tais acontecimentos. Afinal, nem todos tinhamos consciência de que, aquilo que pensávamos, sentíamos, dizíamos, comíamos, bebíamos, respirávamos e fazíamos, em tudo se refletia  e que as condições climatéricas e geofráficas eram, também elas, consequência das nossas atitudes exteriores e interiores, por muito que a rotina diária de stress nos afastasse da verdade daquela visão e daquilo que, realmente, éramos: muito mais responsáveis pelo Universo do que pensávamos ser!
Naquele Sábado, sentado na pequena esplanada em Cacilhas, eu olhei para Lisboa, na outra margem do rio Tejo e vi a capital portuguesa através de uma cinzenta nuvem de poluição que começara, como sempre, a levantar-se de manhã cedo, com o acordar do movimento da cidade. Devido ao imenso calor que se fazia sentir e devido à inexistente brisa - que, em outros dias mais frescos e arejados não a deixava condensar-se e a levava para longe - ela estava ali, densa, cinzenta, reveladora da insanidade que todos os dias cometíamos ao pactoar com os Senhores do Mundo e com o estilo e ritmo de vida que era imposto não somente por eles, mas também por o nosso desejo de ter e viver a vida que este novo império proporcionava e ao qual a televisão tanta propaganda fazia.
Mas mesmo assim, dali, de Cacilhas, ainda não dava para notar muito bem o aspecto real daquela imensa nuvem, porque, em dias como aquele, quando eu subia ao miradouro Luis de Queirós, ou ao miradouro do jardim do Castelo, ou ao Cristo-Rei - os quais ficavam dezenas de metros acima do nível do rio - ai sim, é que dava para ter consciência do aspecto daquela nuvem, pois, daqueles altos pontos via-se Lisboa imersa e desfocada pela horrivel e nojenta nuvem. Depois, daqueles pontos altos, quando lentamente eu rodava sobre os meus pés e olhava a paisagem em meu redor, dislumbrando o concelho do Montijo, o concelho do Barreiro, o concelho do Seixal à direita de Almada - do outro lado da enorme baia ali formada por aqueles concelhos - e o mar no horizonte à esquerda, notava que a nuvem estava sobre todo aquele enormíssimo diâmetro que a ampla paisagem me revelava. Terrivel tomada de consciência: afinal a nuvem não estava somente sobre aqueles concelhos e sobre o mar: ela estava por cima de mim também... ela estava ao meu redor... eu estava dentro dela... a respirá-la... a sorvê-la em cada gole do meu sumo de maçã e por todos os poros da minha pele... todos os dias... mês após mês... ano após ano... tal e qual como acontecia com um novoeiro pouco denso em que parece que só há novoeiro ao nosso redor, tinha-se a ilusão que a nuvem estava onde nós não estávamos, mas ela conquistara todo aquele território ribeirinho... era deveras impressionante e assustador!
O que estavamos nós a fazer aquele planeta? Será que mais ninguém via aquela nuvem? Será que ninguém mais a queria ver? Ou de tão distraídos, olhavam, viam e por não compreenderem o que viam, nem ligavam?
O ser-humano, em geral, não se considerava como um ser cósmico, porque o novo estilo de vida que o século vinte trouxera - a par de um novo conceito cosmológico e infinito - fazia-o sentir-se, sozinho no Universo, isolado de tudo, vazio de significado, fechado em casa, no automóvel, no escritório, dentro de si próprio. Mas, então, o que era ele, afinal? Se habitava no Universo, no Cosmo, não seria também ele um ser cósmico? Não seria ele feito daquilo que as estrelas são feitas? Se eu havia nascido em Portugal e vivido em Portugal, não seria eu um português?! E se morava na cidade de Almada, não seria eu considerado um almadense?! Então, se o ser-humano havia nascido e vivido no Cosmo, aquilo não faria dele um ser cósmico?! Claro que sim! Era lógico! Era óbvio! Era mais do que evidente! O ser-humano, como indivíduo, ou era muito humilde, ou então era muito estúpido e ignorante ao não ver e admitir uma coisa tão clara como água! Ou, então, por outro lado, era porque a poluição cerebral que os governos e as multinacinais mundiais faziam aos seus povos através de distrações, através dos excessos de divulgação informativa errónea e vazia, misturada com informação verdadeira, era eficientemente eficaz, fazendo com que o Homem não se sentisse como parte de um Todo, mas como que isolado do Todo que não compreendia, nem procurava compreender, nem tão-pouco, mesmo que quisesse, tinha tempo, ou disposição para procurar compreender fosse o que fosse.
Por isso é que pouquíssimos viam aquela nuvem de poluição... por isso é que, mesmo aqueles que a viam não lhe davam grande importância... por isso é que pouquíssimos tinham consciência de que o que cada um fazia afectava todos os outros e a si mesmo... por isso é que pouquíssimos tinham consciência de que havia uma unidade entre todos... de que todos éramos só Um... de que tudo era só Um. 
O papel que desempenhávamos na hierarquia natural do planeta Terra era por demais importante e andávamos a descorar tal função já haviam muitas eras, só que, até a Natureza tinha limites: arriscavamo-nos a que, qualquer dia, após um daqueles grandes cataclismos cíclicos, não ficasse mais ninguém para contar coisa alguma, porque haveria de se chegar a um tempo de saturação em que  a Natureza concluiria que, afinal, a experiência viva levada a cabo com humanos naquele planeta não conseguia, definitivamente, dar frutos vivificantes e que seria melhor acabar de vez com aquele laboratório que, em vez de ser ter tornado num maravilhoso jardim para os seres vivos habitarem e co-habitarem, ter-se-ia tornado num manicómio onde o racismo, a xenofobia, o preconceito, a corrupção de alma, o medo, a ignorância e a estupidez, imperializavam.

A solução era parar! Tão simples como tal! Só que, praticamente, era impossível parar. Como parar uma avalanche já depois dela ter apanhado o balanço pela montanha abaixo? Porém, a solução era mesmo parar! Aquando “Almada dos meus olhos” estava a ser concebida, já se deveria ter parado... talvez já se deveria ter parado para aí uns cinquenta anos antes... só que a coisa lá continuava.
E parar com o quê?!
Com o modo destrutivo como falávamos, pensávamos, sentíamos, agíamos, comíamos, bebíamos, tomavamos banho, praticávamos o sexo, trabalhávamos, etc.
Parar, por exemplo, com as fontes de poluição geradas pelas maquinaria movida a derivados de petróleo: parar com a emissão de gases venenosos para a atmosfera, tais como o monóxido de carbono, que era emitido pelos tubos de escape dos automóveis. Só a questão dos automóveis era coisa que, como popularmente se dizia, dava pano-para-mangas em relação ao método e ritmo de vida destrutiva a que o ser-humano se habituara: o que fazia aquelas utilíssimas máquinas moverem-se era a gasolina, um derivado do petróleo. Ora, com o aumento da quantidade de veículos a circularem nas estradas, Almada ficava com o ar envenenado e, praticamente, irrespirável, às horas de ponta. Porém, os almadenses não eram dos que sofriam mais com aquele tipo de situação, já que, a posição geográfica em que a cidade se encontrava, era muito bem arejada, o que fazia com que, rapidamente, o fumo desaparecesse dali... mas não definitivamente, é claro, pois deslocava-se, evidentemente, para outros sítios.
Logo do Council on Foreigner Relations - Centro mundial de
debates sobre a instauração do Governo Mundial
Mas, mesmo assim, na cidade acontecia uma bonita iniciativa: o dia da cidade sem carros! Era de louvar tal iniciativa. Assim como era de louvar o esforço que nela empreendiam alguns elementos. A ideia era muito boa, já que demonstrava haver uma consciecialização e uma vontade de mudança para melhor. Por algum lado tinha de se começar a mudar os hábitos e as mentalidades - só que como eu atrás referi, estávamos todos inseridos num contexto de interesses globais, onde os poderes exercidos ganhavam uma prespéctiva mundial, fortalecidos pela ideia de centralizar num específico ponto geográfico do planeta, um poder que governasse o mundo através daquilo que era chamado de Nova Ordem Mundial, ou seja, uma só nação no mundo, um só sistema bancário, um só sistema legal e judicial, etc. Naquele momento a idéia da Nova Ordem Mundial ainda era desconhecida por maior parte da população mundial e muitos dos que conheciam o termo achavam que tudo não passava de uma idéia paranóica de alguns indivíduos com a mania das teorias das conspirações. Naquele momento as nações mais poderosas do mundo subjogavam empresarial e economicamente as mais pequenas gerindo a riqueza mundial, que era, essencialmente, constituída por petróleo e ouro (a metal sobre o qual se baseava o valor do dinheiro que circulava o globo). As nações poderosas e as empresas multinacionais toleravam tais iniciativas ecológicas, mas não deixavam que as mesmas tomassem proporções que colocassem em causa o poder exercido no mundo pelo o ouro-negro: quem tivesse na mão a maior fatia do mercado de petróleo do mundo controlava todas as outras nações do planeta! Era o petróleo que movia os automóveis, fazia as fábricas trabalharem, os aviões voarem, assim, como também era a matéria-base de tudo o que fosse plástico... e naquele tempo imensas coisas eram feitas com plástico e com derivados de petróleo: maior parte das peças e invólucros dos computadores, imensas partes dos automóveis, ténis e sapatos, televisores, aparelhagens de Hi-fi e tantas coisas mais, como, por exemplo, as cadeiras de plástico em que estava sentado na esplanada em Cacilhas, ou a mesa em que estavam apoiados a garrafa do sumo, o caderno... até a esferográfica com que escrevia era feita de um derivado do petróleo... o que queria dizer que a extinção do uso do petróleo implicaria também uma mudança radical no modo como o ser-humano vivia e dos objectos por ele utilizados. Com tão grande império conquistado pelos poderosos magnátas do petróleo, era por demais claro que as iniciativas do dia sem carros fossem somente toleradas enquanto mantivessem as proporções que até ali tinham (ou seja, de um só dia), porque se começassem a dar sinais de que poderiam trazer consequências menos boas para os reis do petróleo, então, a tolerância acabaria e a polícia viria para acabar com tudo – a polícia recebia ordens dos governos e os governos recebiam ordens das petrolíferas e especialmente, dos bancos. Que não nos iludíssemos quanto a isso: eram os bancos que mandavam no mundo e nos governos. O poder estava nas mãos de quem fizesse o dinheiro! Mas apesar de controlados em suas dimensões, tais movimentos ecológicos eram benéficos para saber para onde poderiamos caminhar se os poderosos do mundo concordassem.
Pessoalmente eu acreditava que até eles iriam mudar de visão um dia e que o planeta respiraria no futuro um ar mais saudável cuidado por uma humanidade mais consciente, sábia e amorosa.
Entretanto, era devido aquela visão limitada que os poderosos ainda possuíam, que, apesar de há muito tempo existirem protótipos de automóveis movidos a energias alternativas e não-poluentes (a energia solar, a electricidade e até a água - com um motor que trasnformava a água em hidrogênio, um gás muito mais poderoso quando utilizado como combustível do que qualquer derivado orgânico) e por sinal,  muito mais economicas, a comercialização de tais mecanismos de conversão energética, assim como a autorização para tais máquinas serem construídas em série e utilizadas pelo público em geral, ainda não acontecera, já que as principais fontes de rendimento para as companhias petrolíferas eram os automóveis, as motas, os aviões e todos os veículos motores militares e de diversão... e se todos eles passassem a mover-se com outro tipo de energia, ainda por cima mais barata, seria a falência das companhias petroliferas. Aquilo era o que nenhuma companhia petrolífera desejava, concordava, ou permitia, mesmo que a sua sobrevivência dependesse da sobrevivência da própria espécie humana. Só que, por exemplo, no Brasil, existiam muitos automóveis a circular com o que chamavam de álcool - um derivado da cana-de-açucar, muito mais barato e muitíssimo menos poluente. Na Internet já existiam vídeos ensinando como converter os motores dos automóveis movidos a gasolina em motores accionados a água.
Como controlar tal divulgação de informação? Como travar as mudanças que vinham acontecendo na consciência das pessoas? Como impedir a mudança de comportamentos que dai advinham? Isso só reforçava a minha esperança num mundo melhor... mas não sem antes passarmos por provas realmente duras, resultantes das acções desiquilabradas que vínhamos realizando até ali.
Porém, só ali, em Cacilhas, juntando os autocarros parados e em funcionamento, com aqueles que chegavam e partiam, mais os automóveis que por ali andavam também, os barcos, as motorizadas... só aqueles todos, durante o tempo em que lá estive a escrever, quantos litros de gasolina consumiram? Só ali e durante aquele intervalo de tempo, quanto é que as empresas petrolíferas lucraram?
Assim, continuava-se, dia após dia a utilizar os veículos movidos a gasolina e a lançar gases mortais para a atmosfera e a envenenar o ar tão precioso para a existência de vida na Terra, pois, o ritmo que a vida ganhara, tornara muito difícil possuir, sem um automóvel, alguma da qualidade de vida propagandeada pelo marketing em geral... e todos queriam ser iguais e ter uma vida igual aquela que viam divulgada em revistas e na televisão... E, ai!, se algum financeiro quisesse passar por cima do poder mundialmente instituido e resolvesse financiar a produção em série de, por exemplo, um daqueles automóveis movidos a água: o mais certo era - como sarcasticamente se costumava dizer - acordar morto!
A solução era parar, parar com as atitudes desiquilibradas, mas para que tal acontecesse, os governos mundiais tinham dar ouvidos ás necessidades das pessoas, escutarem-nas e darem oportunidade a ideias alternativas e deixarem de pensar, egocentricamente, somente no Ter e no Poder. Começando, talvez, por acções de beneficiência e voluntariado... e colóquios públicos, onde os poderes regionais e nacionais ouvissem o povo em geral e apresentasse as suas ideias construtivas e de um modo construtivo. Repito: ideias construtivas e de um modo construtivo!
Porém, escrever e falar sobre tais ideias era muito mais fácil: o mais difícil era fazer aquelas ideias chegarem aos ouvidos ou ás conveniências dos Senhores do Mundo! Mais difícil ainda era os Senhores do Mundo aceitarem a mudança para investimentos ecologicamente mais harmoniosos.

Site oficial do Grupo de Bilderberg
www.bilderbergmeetings.org

O mais difícil era, também, a nível prático, a quebra de hábitos e rotinas... assim como era extremamente difícil (quase impossível, quase) a mudança para uma sociedade em que todos fossem ouvidos, sem a limitação de preconceitos em relação a bandeiras, a religiões, a "ismos" e "logias", de cores de pele e língua falada, ou de estatuto social...
O mundo estava a ficar num estado caótico e as coisas vivificantes que davam qualidade à vida estavam a ser esquecidas por muitos. Paradoxalmente, cada vez mais pessoas estavam despertando para os problemas naturais que os seres humanos estavam criando e mudando os seus hábitos. Contraditoriamente à loucura aparente que vagueva pelo planeta, cada vez mais acções de beneficiência e trabalho voluntário em prol de outras pessoas, de animais e plantas, estavm nascendo e crescendo.
Porém, uma iniciativa como a dos colóquios teria, forçosamente, no seu seio, elementos destabilizadores: naturalmente destabilizadores, ou destabilizadores contratados pelas tais empresas e financeiros com a finalidade de desacreditar tais iniciativas e trazer a confusão sobre os encontros, tal e qual como vinha a acontecer, por exemplo, nas manifestações contra a globalização, contra o modo como a globalização estava a ser feita somente a favor de uns poucos: em tais manifestações pacíficas (organizadas por grupos pacifistas) existiam indivíduos contratados (e até polícias! Sim, polícias!) com o único propósito de se misturarem no meio da massa humana e encapuzados, criarem distúrbios que eram filmados e transmitidos para as famílias de todo o mundo “civilizado”. As familias, sem entenderem muito bem o que se estava a passar - mas sabendo muito bem que o que queriam era uma vida segura e pacífica para si e para os seus – tinham imediatamente a sua opinião voltada contra qualquer tipo de violência, ainda por cima, vinda “de homens de cara tapada” e de outros com “cabelos e roupas estranhas”, o que ia contra o que socialmente se institucionalizara como sendo o “bem-vestir” da “boa moral e dos bons costumes”. Com tais maquinações, as grandes empresas distraiam o público em geral daquilo que era do interesse da própria população: as reuniões do Grupo de Bilderberg, da Comissão Trilateral, do Clube de Roma, etc., que planeavam a centralização do poder mundial num só ponto do planeta, executado de um modo que estava a levar a humanidade para um caos a todos os níveis... incluindo á escravatura dissimulada aos olhos das massas, mas evidente aos olhos de quem sabia e queria ver!
 A presença dos tais elementos destabilizadores no meio dos tais colóquios populares atrás sugeridos, iriam procurar com suas acções, palavras, ideias e atitudes ignorantes, ou intencionalmente direccionadas, conduzir tal movimento ao fracasso, fortalecendo, uma vez mais, a ideia dos media de que a humanidade era um rebanho que precisava de líderes para a orientar e conduzir.
Alguns de nós sabíamos muito bem que os elementos destabilizadores de origem natural - ou seja, os destabilizadores que não tinham sido contratados por nenhum interesse em especial, mas que eram destabilizadores porque naturalmente assim o eram - caóticos e ignorantes, existiam na sociedade graças, essencialmente, ao sistema educativo que os tais poderosos implementavam no seio do planeamento familiar, educacional e social, a fim de controlar as massas e “fazerem-lhes-a-cabeça” logo desde cedo. Aquelas pessoas, evidentemente e em regra geral, iriam ter filhos que deles receberiam a educação ignorante e o exemplo brutal de seus pais, multiplicando, daquele modo, a ignorância sobre a face da Terra, o que facilitava um bocado o processo de estupidificação a que, tais poderes, sujeitavam a humanidade.
Mas, com amor, com humildade e com muita argúcia, tudo poderia ser ultrapassado... até mesmo a estupidez natural daqueles seres humanos.
“- Eu prefiro nem sequer falar sobre esse tipo de coisas!” - disse-me uma vez uma pessoa que eu conhecia, a meio de uma conversa que estávamos a ter sobre bens e soluções para as dificuldades e para os problemas que a humanidade estava a atravessar.
Uma coisa era ter consciência do estado do mundo. Outra coisa era definir objectivamnete e compreender o que se passava. O assunto era muito pesado e era muito difícil o indivíduo predispôr-se a interpretar ao mínimo promenor o que estava a acontecer no plano global... e no outro dia, consciente de toda a trama, erguer-se da cama, meter-se no meio da insanidade matinal dos transportes públicos, ou das intermináveis filas de trânsito e ir trabalhar para um trabalho onde, o mais certo era ir encontrar a típica selvajaria que caracterizava maior parte dos ambientes laborais urbanos, camuflados por trás dos fatos, das gravatas e dos vestidos. O indivíduo até poderia querer de algum modo contribuir para um melhor desenrolar da história humana, só que sentia-se sozinho, impotente e escravo perante tamanha avalanche de estupidez, insanidades e ignorâncias, julgamentos e interesses egoístas a que assistia no seu dia-a-dia.
Chegava a um ponto em que o indivíduo compreendia que não podia mudar o mundo. Muitas vezes decidia que o melhor era transformar-se em lobo no meio dos lobos... em tubarão no meio dos tubarões... em "esgravatador" como um conhecido meu uma vez chamara ao ser humano em geral que tem de andar a esgravatar no meio da sociedade para conseguir sacar algumas das migalhas que caem da mesa dos ricos que governam o mundo.
O máximo que o individuo desperto podia fazer era mudar o modo como ele próprio via, sentia e vivia o mundo e a vida. Sabia-se que, se uma pessoa estivesse determinantemente obcecada em não mudar, poderiam estar centenas de pessoas a dizer-lhe que o deveria de fazer e ela não mudava! Ela só mudaria quando o seu coração lhe dissesse para o fazer. Assim, só restava o exemplo. O exemplo, a postura para com a vida seria a primeira e última ferramenta de transformação social e esta era a enorme responsabilidade sobre os ombros daqueles que vinham despertando material e espiritualmente. Quando uma pessoa entrava no processo de procurar compreender o mundo através do amor, do disfrute não-destrutivo da Natureza e da vida alheia, já estava a ajudar o mundo e os outros - porque se deixassem de haver pessoas com uma atitude construtiva, vivificante, respeitadora e amorosa que, num processo de crescimento, quisessem ainda ser mais perfeitamente construtivas, vivificantes, respeitadoras e amorosas - aquelas outras pessoas que quisessem começar a mudar na direcção daquilo a que se chamava “bem”, não saberiam como o fazer, já que não haveria ninguém à sua volta que lhes desse o exemplo e o incentivo.
Os despertos eram uma gota de água no oceano... só que o efeito dominó estava acelerando exponencialmente! Que dias traria o futuro?
Para o mundo tornar-se um sítio melhor para se viver era preciso serem aperfeiçoados e purificados certos instrumentos que o indivíduo possuia: a fala, o pensamento, o sentimento e a acção. Aqueles eram os meios que o indivíduo utilizava para construir a sociedade e exprimir-se no mundo... e eram o modo como ele os utilizava que faziam dele um ser único no mundo vivo.
Para um crescimento construtivo seriam necessários vários factores, como, por exemplo, doutrina espiritual, disciplina cívica, educação ambiental, etc., afim de despertar a Sabedoria Inata quando se utilizá-se as ferramentas naturais que nos auxiliavam a nós e  os outros, ou à Natureza ao nosso redor a caminhar na direcção da auto-descoberta e da liberdade... ou na não utilização dos mesmos instrumentos quando a situação isso exigia e, simplesmente, deixar o curso dos acontecimentos seguirem o seu caminho natural sem nos intrometermos - o que para com a Natureza era, maior parte das vezes, a melhor opção a tomar, já que a Natureza sabia muito bem o que tinha de fazer para continuar viva, frutífera, livre e bela, não fosse Ela a expressão da Inteligência Suprema e Universal.
Ora, alcançar tal nível de consciência prática para com o mundo e a Vida era coisa que só podia partir do indivíduo por sua livre e expontânea vontade e era somente esse Caminho que poderia ajudar o indivíduo e a humanidade, em geral, a alcançar os mais elevados níveis de postura e comportamento em sua existência.
Imagine-se... sonhe-se... que toda a humanidade atingirá um nível de consciência e civismo bastante elevado, no qual, cada indivíduo saberá muito bem o que fazer dentro da comunidade em que viva e fazendo-o sem que ninguém precise de lhe dizer o que ele terá de fazer, não o fazendo ele somente para seu próprio benefício e bem-estar, mas fazendo-o, também e essencialmente, para benefício da comunidade e da Natureza com que contacte. Aquele será o indivíduo que já terá compreendido, intuitivamente, que o que é benéfico para a comunidade, é benéfico para si próprio e o que é benéfico para si próprio é benéfico para a comunidade. Quando tal indivíduo agir no seu dia-a-dia, agirá pensando (e num estado mais elevado, já nem pensando, mas sendo, expontaneamente) no todo em que está inserido e nunca agirá a pensar, unicamente, no seu próprio interesse.
Imagine-se... sonhe-se... desta vez de um modo não construtivo... que, infelizmente, no meio de toda aquela quase perfeita humanidade, existirá um indivíduo que ainda não amadureceu o suficiente e que, desconfiado pela atitude amorosa dos outros seres humanos, terá medo deles.
Imagine-se... sonhe-se... de um modo não construtivo... que tal indivíduo, por medo - desconfiado que a atitude dos outros será somente uma manipulação utilizada afim de lhe tirar algo – procurará controlar toda a gente.
Imagine-se que, por plano, ele quererá que todos sejam iguais “igualdade para todos = segurança para todos = paz para todos”... mas a verdade é que, naquilo que aqui somos propostos a imaginar, todos são diferentes uns dos outros e ninguém está a querer nada dele, a não ser a sua genuína paz interior.
Imagine-se... sonhe-se... de um modo não construtivo... que, já apavorado, aterrorizado sem compreender o amor que os outros lhe transmitem, ele já tem um dedo em cima de um botão pertencente à máquina que ele havia concebido para se defender de todos os que ele não compreende e teme, para com a mesma destruir todo o planeta em resultado do medo que o invade. Perante tal cenário, toda a humanidade estará ao seu redor a transmitir-lhe muito amor, procurando fazê-lo compreender que existe uma via mais lógica para si e para todo o mundo e que se ele retirar o dedo, confiar neles e se se deixar envolver pelo amor emanado pela civilização que o rodeia, será muito mais vantajoso para si e para todos. Porém, ele está desconfiado: tem medo e ameaça fazer explodir tudo.
Não interessa muito o desfecho daquela história. Interessa, sim, mostrar que, naquele tempo, tínhamos de mudar a nossa maneira de estar na vida e o modo como a encarávamos as coisas, assim como tínhamos de mudar a nossa Visão da Vida... mas que muitos viviam descofiados com tais mudanças e com a propagação do medo produzido pelo media, as suas atitudes não mudavam, mesmo com os bons exemplos ao seu redor... e tornavam-se, muitas vezes, perigosos para si e para os outros. Naquele tempo, se queríamos, realmente, contribuir com alguma coisa positiva que propagásse a verdadeira tranquilidade, genuína paz, real liberdade, em que cada um seria livre de fazer o que bem lhe entendesse, quando bem entendesse, sem ter que dar satisfações a pessoa alguma e sem haver pessoa alguma que ficásse preocupada, ou desconfiada, com o que o outro andava a fazer - uma vez que todos saberiam muito bem o que deveriam fazer e quando deveriam fazer – teríamos de ter muita fé na Vontade dos Mecanismos Superiores e continuar contribuindo com as nossas gotas de água.
Mas, verdadeiramente, para além de procurármos mudar a nossa Visão da Vida para algo mais vivificante e belo, pouco, ou nada mais restava para ser feito. Bastava uma só pessoa não querer mudar para estarmos sujeitos a que o trabalho realizado por várias gerações fosse completamente destruído... e naquele tempo, a destruição vinha pelas mãos de muitos!
Colocava-se uma barra de dinamite numa montanha e destruía-se em segundos o que a Natureza demorara milhares de anos a construir. Deste modo, muitos se rodeavam de bombas atômicas e todo o tipo de tecnologia de guerra devido ao medo que sentiam dos outros: haviam nascido e depararam-se com a vertigem de existirem numa realidade que não entendiam e que mais cedo, ou mais tarde, terminaria. Sem a devida orientação, isso levara-os à loucura!
Ainda assim, a melhor coisa era viver transmitindo amor e compreensão, servindo, conscientemente, como exemplo não imposto a todos aqueles com que contactávamos. Termos consciência de que os outros nos observam e aprendem conosco. Que mais não seja, aprendem aquilo que não querem para eles.
Deveríamos crescer em harmonia com a Natureza... como pessoas... mas que não nos iludíssemos, pensando que iríamos mudar o mundo e todas as pessoas que nele vivessem e que o mundo se iria tornar um sítio perfeito para se viver. O máximo que poderiamos fazer era, através do exemplo, libertarmo-nos uns aos outros como indivíduos e como seres humanos... e, se depois disso, servíssemos de atracção para alguém que quisesse, também ela, libertar-se a si mesmo como pessoa, então, aì sim, teríamos utilidade prática na mudança do mundo... do mundo de alguém...
Somente servindo de atracção é que poderíamos transmitir aos outros a influência dos nossos padrões e métodos de existência equilibrada... ainda assim, que não arrogássemos em querer que os outros vivessem tal e qual como nós: se os preceitos que traziam a felicidade a nossa existência parecessem a tal pessoa poder proporcionar-lhe uma melhor qualidade de Vida - assim como uma oportunidade para melhor se conhecer a si mesmo e até talvez ajudar os outros e todo o mundo em geral - então que o deixássemos livre para adaptar à sua maneira tais preceitos em sua existência...
O Verdadeiro Amor libertava... nada exigia e nada esperava.
Era sabido que só aceitava ajuda e mudança quem a pedia e procurava... e mudar para um estar mais positivo, saudável, amoroso e vivificante num mundo onde o indivíduo aprendera a afirmar-se, socialmente, através da negativa, do materialismo e das primeiras impressões, implicaria, possivelmente, cair no ridículo perante maior parte da opinião pública.
No meio da cidade de Almada, em pleno Verão, as óptimas temperaturas e a brisa fresca o quanto bastasse, eram o convite ideal para que as esplanadas ficassem cheias de gente. Quando passava por algumas que eram utilizadas para o pavoneamento de uns quantos (como a esplanada do Lagoa Azul, perto do tribunal de Almada), não podia deixar de reparar naqueles que se apresentavam visualmente como “bem-sucedidos” na vida: homens obesos, ou para lá caminhando, falando alto, de camisas brancas, ou de cores bonitas e de aparência lavada, engomada e fresca, desabotoadas e de mangas arregaçadas, revelando grossos relógios, carteiras grossas em cima da mesa, com o telemóvel caro à mostra e as chaves do carro ao lado, desfrutando do fruto do seu trabalho-de-gravata, comendo caracóis, ameijoas, camarão, ou gambas e com as mãos gordurentas do molho a agarrarem os copos, ou as garrafas de cerveja que levavam à boca em movimentos já, nitidamente, cambaleantes; dos cigarros puxavam golfadas de fumo com os cotovelos no ar, fazendo questão de poluirem os seus pulmões e o ar que os outros respiravam. Os cigarros acesos de vez em quando ficavam em exposição perto das bandejas que traziam os animais, ou, para os com menos preceitos, até dentro das bandejas semi-vazias. Em algumas mesas via garrafas de vinho branco, ou verde, com o qual brindavam os charutos, e as cigarrilhas, que empestavam o ar à sua volta. Além de não se importarem com a própria saúde - que era prejudicada por aquilo que comiam, bebiam e fumavam (já sem referir o que falavam, sentiam e pensavam) - não se importavam com o exemplo que estavam a dar ás crianças que brincavam à volta das mesas. Mas em sua inconsciência, aqueles homens não se apercebiam do que estavam a fazer, já alcoolicamente eufóricos, deitando fumo pela boca e pelas narinas, comendo "insectos" marinhos e envenenados pelo sistema que os habituara a insinuarem-se daquele modo como "pessoas-de-bem"...
O que era certo era que, em algumas mesas ao lado, jovens de vinte anos, ou pouco mais, eram a fotocópia daqueles homens “maduros”, tomando-os como ideal: camisa boa, carteira não tão grossa em cima da mesa, telemóvel em cima da carteira, chaves do carro de cilindrada mais baixa que os colocava na posição de ascendência, maço de tabaco à mão, imperiais fresquinhas acabadas de tirar, bandejas cheias de insectos marinhos e miúdas que viam neles a segurança material de um futuro com filhos. Os movimentos dos jovens também já acusavam o envenenamento alcoólico... mas todos eles tinham as chaves dos carros que iriam conduzir depois. Inconsciência da euforia materialista. A diferença mais marcante era que, maior parte dos homens maduros não estavam acompanhados pelas mulheres, ao contrário dos jovens, que ainda andavam com elas de um lado para o outro e alguns deles já com crianças... mas em todos eles, a afirmação do ego, do ter e do poder estava, propositadamente, bem evidente.
Agora, coloquesse a hipótese que eu iria sentar-me ali, junto com eles. Apesar de ser uma situação muito remota de acontecer, o que iria eu fazer ali?! Eu não comia animais... não bebia álcool... não fumava... não tinha automóvel... e não sabia, ou não queria saber, falar de futebol; as roupas que vestia nada tinham a haver com a farda capitalista. O que é que era mais lógico acontecer? Era eu ser gozado e não ser levado a sério por maior parte deles. Mas não digo que um, ou outro, devido à sua experiência de vida, não ficasse interessado no porquê de eu viver assim como vivia - o que para mim, evidentemente, era um modo de vida mais natural e que implicava menos sofrimento físico e psicológico. As perguntas que tais supostos curiosos me fizessem seriam um princípio para a mudança de hábitos em suas vidas, pois, nascida a questão no Homem, todo o Universo se abria para si... e se não ouvissem certas coisas da minha boca (como ouvirem falar sobre o vegetarianismo, as vantagens de uma sociedade que tem como base a partilha e a entre-ajuda), iriam ouvir da boca de quem? Porém, quão difícil seria a mudança de postura para aquelas criaturas dependentes da afirmação materislista, consumista, capitalista. A primeira aparência e a exuberância faziam parte da sua afirmação de vida, da confirmação do bom sucesso, do saber andar na Terra. Como consciencializar as pessoas? Como é que a humanidade poderia despertar para posturas, comportamentos e visões de vida mais vivificantes, mais equilibradas ecologicamente, de mais auto-descoberta?
O princípio da mudança propositada e vivificante é a exposição do indivíduo... sem que o indivíduo se exponha, ninguém poderá saber que existem outros parâmetros de vida, outras formas de ver e viver a Vida. Mas quais os preços a pagar pelo indivíduo que se expõem a uma multidão de costumes violentos?
Ironia da vida: uma velhota magra como um pau de vassoura, a arrastar velhos sacos por entre as mesas, a pedir esmola e a ser desprezada por todos. Muitos até ficavam envergonhados, embaraçados por ela, simplesmente, falar—lhes, ou estender-lhes a mão... e ajeitavam-se nas cadeiras, riam mais alto, falavam mais alto como que para assusta-la, afuguenta-la... sentiam-se desconfortáveis e olhavam á volta a ver se alguém estaria a notar que a velhota estava a querer comunicar com eles... e sem saberem o que fazer, erguiam a voz para o amigo-dos-copos em falso extânse da conversa continuada. Era triste. Muito triste.
Como alguém que eu conhecia costumava chamar ao ponto fulcral de um determinado problema, ou dificuldade, o guismo da questão (da destruição ambiental... do aumento da violência e da criminalidade... das drogas... do crescente abismo económico... do aumento da pobreza espiritual e cultural... do preconceito... da  xenofobia... das guerras... da fome... da pobreza e da miséria em geral) era a inibição das perguntas inconvenientes que as crianças, em geral, começavam por fazer aos adultos com a sua expontânea curiosidade de querer saber e conhecer tudo. Para tais perguntas os adultos não possuiam as respostas! Ou possuiam e achavam que as crianças não as entenderiam - talvez até por nem sequer saberem bem como responder de modo a que a criança entendesse. Daí a inconveniência das perguntas, não para as crianças, mas, sim, para os ditos adultos, evidentemente!
Se o adulto em questão não sabia a resposta, tornava-se, em regra geral, evasivo e desviava a conversa e a atenção da criança para outro assunto qualquer, ou pior, e mentia à criança.
E porque é que a inibição daquelas perguntas nas crianças se tornavam o guismo dos problemas que a humanidade sofria?
Porque eram aquelas perguntas iniciais na vida de qualquer pessoa que auxiliavam o indivíduo a encaminhar-se para as questões-base da sua existência e da filosofia mundial: quem sou eu? O que faço eu aqui? De onde eu vim? Para onde eu vou? O que é isto tudo?... e o eterno: Porquê?
Dizia-se - tal e qual eu ouvi muitas vezes da boca de certas pessoas - que “... a Verdade não se alcança, não existe e é melhor tu não pensares em tais coisas e concentrares a tua atenção nas coisas, realmente, importantes...” como, a escola, o trabalho, a família, a mulher, os filhos, o dinheiro, o automóvel e sei lá eu mais o quê... e o que acontecia era que, por ninguém fazer as questões que podiam conduzir às respostas sobre a razão da nossa existência e funcionamento político real em que o mundo vivia, é que a humanidade continuava sem saber porque existia, vivendo subjugada às vontades e decisões daqueles que mais dinheiro possuiam. E se ninguém se questionava sobre aquilo que de mais importante havia na vida de um homem, ou seja, a sua própria existência, o mais certo era obter respostas somente sobre as questões que fazia: Como ganhar mais dinheiro? Com o obter sexo? Como obter mais sexo? Como comprar um carro? Como comprar um carro ainda melhor? Que roupa vestir? Que telemóvel comprar? Como pagar as contas todas? Que tal comprar um sistema Hi-fi, um DVD, um TV plasma, um computador, etc., etc., etc.?
Era de esperar que o único método de vida que encontravam para andarem em cima do planeta fosse um seguimento dos métodos de vida adoptados pelas gerações passadas. Era o chamado “conhecimento ancestral”, que vai passando de pai para filho, mas que não conduz a uma doutrina espiritual, nem à auto-descoberta.
Mas como as gerações passadas haviam vivido na ignorância e na limitação da incapacidade de formularem uma nova estratégia de vida fora dos parâmetros estabelecidos por as sociedades e culturas vigentes, não tinham outra opção senão seguirem o que os seus pais lhes ensinaram e deram como exemplo.
Poucas eram as pessoas que procuravam realmente crescer como indivíduos e seres-humanos, afiando a lâmina das virtudes. Maior parte das pessoas (senão todas) procurava encontrar um caminho em que deixassem de sofrer, mas dali até deduzir que, para deixarem de sofrer, tinham de mudar de hábitos e costumes, ainda ía um bom bocado.
As tradições!... Oh! Povo, as tradições!...
A melhor educação era o exemplo... e era aquilo que faltava nos grandes centros urbanos: alguém que, destacadamente, ousadamente, descaradamente, desse o Bom Exemplo de falar as verdades profundas sobre o espírito humano e sobre a demoníaca conspiração que existia afim de se erguer um governo mundial, centralizado nos E.U.A. e regido pela O.N.U., oprimindo o esclarecimento espiritual, permitindo a estupidificação, a distração, a alienação e a desinformação que os media difundiam!
A sombra já fervia e a levíssima brisa quente que deslizava do rio nem sequer força tinha para mexer os papéis que estavam em cima da mesa. Levantei-me e resolvi precorrer o longo caminho do Cais do Ginjal que, sempre rente ao rio Tejo, ligava Cacilhas ao antigo estaleiro do Olho-de-Boi...

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