segunda-feira, 3 de setembro de 2012


CAPÍTULO 4

Igreja de Santiago
      Desci Almada-Velha.
Saí pela porta sul do jardim, que dá para a velhinha igreja de Santiago, construída no início do sec. XIII  e resolvi passar por casa para ir buscar uns livros que tinha de entregar na biblioteca, incorporada no novo forum Romeu Correia: aquele era o nome de um escritor que já tinha falecido, haviam poucos anos e com o qual eu me identificava ao nível do assunto sobre o qual ele escrevera: Almada. Além de biblioteca (com algumas dezenas periódicos diários, semanais, etc., todos eles em língua portuguesa e os quais se podiam consultar gratuitamente) também se incorporavam no forum a videoteca, a cd-teca de música e de informática, salas com espaços para exposições, uma sala de teatro e um bar.
Estava calor e até custava a andar, mas aproveitando ao máximo as sombras que ia encontrando pelo caminho, lá fui. Desta vez resolvi não correr a Rua Capitão Leitão mas, saindo de Almada-Velha propriamente dita, desci a inclinadíssima rua da Sociedade Filarmónica Incrivel Almadense e segui em frente como quem vai para o Tribunal de Almada. Passei o Largo Gabriel Pedro onde ficava o Tribunal de Almada, vendo à minha direita o Jardim de Almada e continuei até chegar a casa: naquela altura ainda vivia com a minha mãe, na Praceta Dr. José Lourenço Carvalho.
Não demorei muito a chegar á biblioteca, pois, no desvio que tinha feito até casa, se havia alguma coisa que me tivésse demorado o passo, nada mais seria do que a temperatura quase vulcânica que fustigava as ruas, pois, ali, tudo era, relativamente, perto.
      Quando cheguei ao forum, puxei a porta para entrar com a consideràvel força que aquela exigia para ser aberta. Ao passar a primeira porta, encarei logo com uma segunda, ficando num pequeno cubiculum entre elas as duas. Naquele cubiculum, o pintor que fizera o mural que se estendia desde a rua até á parte de dentro do Forum, tinha tido a engraçada ideia de se auto-retratar... depois abri uma segunda porta em sentido inverso á primeira e fui recebido por uma brisa fresca de ar condiccionado, que se espalhava por todos os cantos do complexo.
      Aproximei-me da recepção para olhar os folhetos que eram ordenadamente espalhados por cima do balcão, anunciando as imensas iniciativas que aconteciam por todo o concelho... naquele tempo não deveria haver concelho municipal em Portugal em que se desenrolassem tantas actividades culturais quanto no concelho de Almada. Aquilo já eu sabia, mas qual não foi a minha surpresa quando, uma vez, ao abrir uma página que a Câmara Municipal de Almada possui na Internet, me deparo com uma lista de centenas e centenas de actividades programadas para aquele ano, dirigidas e organizadas por crianças, jovens, adultos e idosos! Fiquei atónito! Não me havia ainda apercebido de que haviam tantas iniciativas culturais em Almada num só ano.
Forum Romeu Correia
      Naquele concelho acontecia, por exemplo, a Quinzena da Juventude, na qual, durante duas semanas, os jovens do concelho apresentavam aquilo que sabiam e gostavam de fazer, sendo ás centenas as apresentações musicais, de poesia, teatro, capoeira, desportos em geral, pintura, fotografia, etc., etc., etc... acontecia uma Feira do Livro, assim como muitas outras iniciativas relaccionadas com os livros e a leitura... uma Feira Biológica... um Dia sem Carros... dezenas de concursos de marchas populares, de caldeiradas, de desenhos alusivos ao 25 de Abril, de quadras populares, de montras comerciais, de montras comerciais no Natal, de arte e criatividade, etc... centenas de Workshops, colóquios, encontros, forum's, sessões, debates e conversas públicas... milhares de eventos desportivos... centenas de exposições... centenas de festas, comemorações e encontros... centenas de formações, cursos e aulas... dezenas, senão centenas de concertos grandes, médios e pequenos... peças de teatro, espectáculos de dança...  não era de estranhar ser aquele um dos concelhos de Portugal de onde saiam mais atletas para o panorama nacional e internacional... assim como não era de estranhar aquele concelho ser um dos concelhos dos país que mais bandas de música lançava para o panorama nacional e internacional: aquando os festivais organizados para a apresentação de bandas do concelho, tinha que se ter em conta que os concertos demorariam, pelo menos, três dias e que as bandas só poderiam apresentar alguns dos seus temas, para dar oportunidade a que todas as iniciativas musicais presentes (e que não eram nunca todas as que existiam no concelho) podessem ter a sua vez em cima do palco... grupos de teatro, confesso: nem sei quantos é que existiam!... mas sei que eram às dezenas, entre grupos profissionais e amadores, alguns já conhecidos por todo o território nacional e outros até já conhecidos no estrangeiro... já para não falar dos escritores que concorriam às dezenas aos concursos literários de prosa e poesia que eram lançados pela Câmara Municipal... ou dos novos pintores e dos novos artistas plásticos que ousavam lançar-se em expressões artísticas de serem tomadas em consideração... das mais de duas centenas de assossiações e colectividades que se espalhavam por todo o concelho...
      ...e eu, como já andava a matutar em minha cabeça sobre escrever qualquer coisa sobre Almada, subi a rampa própria para deficientes até ao primeiro andar e dirigi-me á biblioteca propriamente dita, directamente ao núcleo reservado à literatura sobre a cidade.           
      Não andava à procura de nada em especial, só que, como o próprio Romeu Correia me havia expôsto uma vez a ideia, eu andava a engravidar qualquer coisa no meu ventre mental, por isso havia algum tempo que não escrevia coisa alguma de concreta. Quando fosse o tempo de dar à luz, então conceberia algo diferente do que até ali eu já tinha escrito. E que eu não me preocupasse porque, se eu continuasse a escrever pela minha vida fora aquilo iria me acontecer mais vezes. Assim, o que eu andava a fazer era - como bibliotecariamente se chamava - a ser “rato-de-biblioteca”. Andava a farejar qualquer sinal que me indicasse o caminho que haveria de percorrer em minha aventura literária. Foi quando encontrei um livro sobre Almada, intitulado “Cidadão a Tempo Inteiro”, escrito por Alexandre Castanheira e editado no ano de 1993 e que, numa das primeiras páginas falava assim:

      “Foi no contacto com as colectividades, participando nas suas actividades culturais, que decididamente me pus ao lado delas e das suas massas associativas de trabalhadores. Foram estas, com os seus problemas, as suas aspirações, dúvidas e certezas que me forjaram uma compreensão da luta de classes que me levou a escolher o meu campo, a minha trincheira, ou seja, aquela, precisamente, que era já ocupada pelos trabalhadores das contruções navais de Almada (entre as quais a maior parte dos homens da minha família paterna) e outros que frequentavam as colectividades e de quem comecei a seguir as lutas, a sua resistência ao fascismo, a via que iam abrindo áquilo que veio a ser o 25 de Abril de libertação.
       “O que devo, pago! Mas por mais que pague em acção, em colaboração nas colectividades, tenho sempre essa dívida em aberto. Esta não é das que se pagam. Estou sempre devedor ao povo trabalhador de Almada e ás suas colectividades do rumo que tenho seguido na vida, do amor a princípios que adoptei e porque me bato com orgulho.”

      Era daquilo que eu era filho!

Antigos estaleiros da LISNAVE
      O meu pai, quando eu tinha três, ou quatro anos de idade (na altura ele era ainda operário como electricista naval na E.N.I. - empresa incorporada nos estaleiros da LISNAVE) inscrevera-me na classe de ginástica para crianças que existia na S.F.I.A. (Sociedade Filarmónica Incrìvel Almadense) coordenada por professores de educação-física licenciados no I.S.E.F. (Instituto Superior de Educação Física). Como ele, muitos trabalhadores navais, industriais e comerciais, colocaram os seus filhos em uma qualquer actividade daquelas colectividades: além da ginástica (que ia desde a ínfantil até à de competição, existiam outras práticas como o atlétismo, o futebol, o andebol, o judo, o karaté, a música nas bandas filarmónicas, o xadrez, o pingue-pongue, a filatelia, columbofilia, etc.) ... tudo aquilo espalhado pelas várias colectividades que haviam sido criadas na cidade, como, por exemplo, a grande amiga e “rival” da Incrìvel Almadense, a A.I.R.F.A. (Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense), mais conhecida como, simplesmente, Academia; ou o A.A.C. (Almada Atlético Clube), o qual representava futebolisticamente a cidade de Almada; ou o C.D.C.P. (Clube Desportivo da Cova da Piedade), que também possuìa a sua equipa e o seu campo de futebol, tal e qual como tantos outros clubes, sociedades e colectividades, uns maiores, outros mais pequenos, que foram nascendo e desenvolvendo-se ao longo dos anos. Eu nem sequer numerei aqui um décimo da quantidade de iniciativas de associativismo que existiam em Almada, mas já dá para ter uma idéia do espírito que a população almadense possuìa.
Incentivando os jovens desde muito cedo à prática de uma qualquer actividade numa daquelas associações, incentivava-se os mesmos jovens a abrirem-se à comunicação, à cooperação, ao interesse e à colaboração sobre as actividades que os seus conterrâneos praticavam na comunidade e na cidade em que viviam, coisa que, nos tempos passados não acontecera com a mesma força com que naquele tempo sucedia, devido aos regimes políticos inibidores até ali instituìdos. A ideia era boa e só aquele tipo de atracção à participação social poderia prevenir contra um novo estado de ditadura, já que daquele modo, a população estaria mais unida e forte.
      O que aqueles homens e aquelas mulheres não contavam é que um novo império viesse a cair sobre a nação, de um modo tão súbtil quanto não se esperava: o império do capitalismo centralizado, do consumismo desenfreado e do materialismo obcessivo.
      A política era europeia... o Carnaval brasileiro... no Natal, o nascimento do menino Jesus (que não tinha sido naquela data), pouco a pouco, ia sendo substituído pelo Pai Natal americano, vestido com as cores da Coca-Cola... na Páscoa, a morte de Jesus ia, pouco a pouco, dando lugar ao coelho americano que botava ovos de chocolate (querem coisa estúpida do que esta?!!!)... as festas dos santos populares já não eram como eram quando eu era criança, as quais eram organizadas por pequenas comunidades de vizinhos em cada rua, bairro, ou zona, com sardinhadas, caracoladas, música de marchas populares tipicamente portuguesas e tocadas ao vivo e alegradas com saltos sobre a fogueira que as crianças tanto gostavam de fazer... até festas e comemorações americanas tinham sido inseridas na cultura e no calendário português, tais como por exemplo, o dia de São Valentim - dia dos namorados - e o Halloween - dia das bruxas - e por aì a fora... tudo assimilado com o objectivo comercial, está claro!
      A população de Almada viu os seus jovens serem atraídos para um determinado tipo de coisas para as quais os progenitores não estavam preparados para, a nível educativo, os orientar e aconselhar.  Assistiram, como analfabetos, os seus filhos entrarem na era informatizada e computadorizada, sem entenderem nada do que eles faziam horas a fio em frente ao écran, agarrados ao computador, ligados à internet, ou a jogarem Playstation. Viram-nos começar a comer comida de difícil identificação. Viram-nos, por exemplo, perderem-se nas drogas que, de repente, invadiram a cidade e ninguém sabia o que fazer, onde pedir ajuda, ou sugestões. Só mais tarde, quando muitas vidas já tinham sido perdidas e outras marcadas para sempre, é que o auxílio chegou e de um modo que deixou muito a desejar, já que muitos voltavam ao mesmo tipo de vida e outros novos caiam nos mesmos erros que outros antes deles haviam caído. E assim os parâmetros sociais alteraram-se repentinamente e cada um teve de se adaptar o melhor que pôde e o mais rápido possível às leis ditadas por aquele novo império com aparência de liberdade.
      Quando olhei novamente para as prateleiras de livros à minha frente os meus olhos abriram-se: o que faltava à literatura de Almada era algo contemporâneo! Ou seja, não existiam registos da vida existente nas ruas de Almada dos meus dias, a qual eu conhecia muito bem. Haviam livros que falavam sobre a geografia da terra, da toponomìa do concelho, da história das freguesias, dos desportistas da cidade que se tinham destacado em suas marcas atléticas (e que não eram poucos), da história das colectividades e até alguns livros de Romeu Correia que descreviam o ambiente de rua da cidade dos anos trinta e quarenta, como era o caso do “Cais do Ginjal”... mas não haviam livros, pelo menos naquelas prateleiras, que falassem sobre a Almada que eu via e vivia.
      Já sabia o que ia escrever: entrei em trabalho de parto e sofri as dores do que estava a conceber!

CAPÍTULO 5

Quando, finalmente, peguei numa caneta e coloquei um papel em branco à minha frente, para com eles começar a escrever o que viria a ser “Almada dos Meus Olhos”, fui como que sugado por um vórtice, puxado através do tempo e do espaço até quando era criança, para então ser empurrado através da minha vida, experimentando outra vez na primeira pessoa, tudo aquilo que fiz, disse, pensei, senti e, de uma maneira geral, vivi até ao momento em que estava sentado, de caneta na mão e com o papel em branco à minha frente.
         Fiquei atónito!
         O que mais me maravilhara era que memorizara praticamente tudo o que vira em meu “olho-da-mente” durante aquela viagem. Mas porque é que aquilo me acontecera? Porquê?
         A resposta áquela pergunta foi-me dada, praticamente, no mesmo instante e foi aquela resposta que me impulsionou a escrever o que aqui se lê: aquilo acontecera-me para ajudar-me a encontrar-me, definir-me novo, criar-me novo, mas sempre o mesmo, tal e qual como a Natureza Primordial que Eu Sou, libertamente, o exigia, afim de me tornar a mais perfeita expressão do Amor incondiccional, infinito e imaculado, para que, só então, podesse relembrar-me da razão da minha existência.
         Muita coisa? Nem tanto...
         Para tal, primeiro, precisava compreender o contexto em que estava inserido: o corpo em que habitara, em que me deslocara e que de mim fazia uma entidade fisicamente humana e masculina... a individualidade que, supostamente, eu representava, ou decidia representar, como individuo na sociedade... a família em que nascera e que me amara... a rua em que morara e brincara... a cidade em que passeara e crescera... o país que se dissera minha pátria e meu dono... o continente em que este último se encaixava... o planeta que pisara... o sistema planetario em que flutuara... a galáxia em que rodopiara... o universo em que pairara...
         Só então me lembrei que ainda estava sentado numa das mesas da biblioteca, na qual, por força da repentina inspiração, fora como que obrigado a sentar-me e a dar asas aos rescunhos do que aqui se lê. Olhei para os lados sem deixar que aquele estar resultante daquela experiência de regresso ás origens me abandonasse completamente... e natural de mim próprio, contemplei as pessoas que me rodeavam: jovens, estudantes, de puberdade esperguiçada em cima da mesa, junto com os livros pesados do estudo sacrificial a que se abandonavam... uns com mais vontade, outros com alguma distracão de flirt: afinal, a biblioteca era um bom sítio para controlar novas raparigas, ou novos rapazes, por cima do estudo complicado e profundo, de compenetração aparente. Lá ao fundo, uma rapariga loura destacava-se do resto dos jovens, pois, pensando que ninguém a notava, revelava-se á minha observação como alguém que, se tinha ido para ali com intensões de estudar, a sua postura de estudante tinha completamente desaparecido, desmascarando-se de imediato, não somente pela sua atitude e pela sua postura, mas também pelo decote da camisa branca aberto até aos seios bisbilhoteiros e insinuantes, firmes e pequenos de quem tem dezasseis anos...  desvendava as suas intensões pela irrequietacão na cadeira e pelos olhares de rastreio à procura de alguém indefinido... de outro olhar... de uma alma gémea... do amor de sua vida de sonho juvenil.
As senhoras da biblioteca recebiam livros e através dos sinais sonoros dos laser's com que liam os códigos de barras, faziam o registo das obras levantadas. Ouviam-se o matracar nos teclados dos computadores que davam livre acesso á internet no intervalo de tempo de meia-hora e nos quais haviam pessoas, por mim desconhecidas, a comunicar com outras pessoas do outro lado da virtualidade... lá ao fundo a terceira idade aproveitava a leitura gratuita dos periódicos diários como o Correio da Manhã, o Diário de Notícias, ou O Público... haviam também alguns jovens naquela secção que procuravam informações novas sobre um outro lado da vida, em revistas científicas nacionais e internacionais. Também por ali estavam alguns jovens a rondarem os vinte e cinco, trinta anos, folheando, algo desmotivados, os classificados dos jornais em busca de trabalho e anotando alguns números de telefone. No corredor dos livros dedicados ao esoterismo e à espiritualidade, alguns jovens sedentos de Verdade, seguiam, ou criavam, pistas que os encaminhasse de regresso à sua própria Natureza. Senti o meu espírito movimentar-se num abraço envolvente a todo aquele grande espaço e a todas aquelas pessoas...
         Quem são vocês todos? Quem são vocês que vivem na mesma cidade que eu e eu nem sequer me lembro de alguma vez os ter visto? Que sentem vocês naquilo que vocês são? O que pensam vocês sobre o significado das coisas? Do Universo? Da Vida? Da Morte? Que ideias e opiniões têm sobre a sociedade, o mundo e toda a demagogia que cobre o planeta? Quais são as soluções que vocês pensam serem as respostas a todo o sofrimento humano e animal do planeta? Pensam vocês nisso? Pensam vocês que vale a pena pensar nisso? Pensam vocês se vale sequer a pena pensar se vale a pena pensar nisso? Como são os vossos dias, afinal? De manhã até á noite? Tem valido a pena a vossa Vida?
         Apesar de ter somente vinte e sete anos quando comecei a dar forma á obra (uma gota de água na história humana) já me sentia com uma boa experiência de vida, uma quantidade considerável de conhecimento e a sabedoria desperta o suficiente para registar literariamente um tempo de transição muito importante para uma das milhares, ou milhões de cidades do planeta: a passagem do milénio para o mundo ocidental!
         Alguma coisa dizia-me que o deveria fazer, porém nunca o conseguira realizar do modo como aqui se lê. É engraçado porque aquele tempo foi, dentro da memória contemporânea, a época em que mais seres humanos se sentiram inspirados para escrever livros e muitos deles sobre o principal tema que dizia respeito ao próprio Homem: o significado da sua existência!
         Sonhava-se no papel e redefinia-se uma realidade palpável aos olhos de quem via! Só ali no Forum Romeu Correia existiam imensos livros que falavam uma nova linguagem, mais antiga que o pensar, uma espiritualidade renovada, não religiosa, a qual, para além de crítica, era expositora de soluções para as crises em geral que afligia a humanidade naquela altura. Evidentemente que em maior parte daquelas obras (senão todas), a personalidade do escritor evidenciava-se, por vezes até de um modo exageradamente tendencioso... mas pelo menos ousava-se falar de temas que até ali tinham sido abordados de uma forma proibida, como um tabu... ou, simplesmente, nem sequer haviam sido publicamente falados e discutidos devido ao aniquilamento mental da ponte que liga o indivíduo mundano ao ser espiritual que cada um é, aniquilamento tal causado pelos regimes opressores das tiranias religiosas, governamentais, ou de outra ordem qualquer que, até ali, tinham vagado pelo mundo rangendo os dentes para ter e  poder.
O que era importante não era tanto a precisão com que aquelas obras acertavam no alvo que era a nossa alma, ou como se sintonizavam de modo perfeito com a frequência em que o Amor Absoluto vibrava... o que era importante era que se estava a ter a ousadia de dar os primeiros passos na direcção de algo verdadeiramente libertador e sem o medo de errar, mas com a coragem de cada autor em se expôr ao grande público e esperar que o curso da história tratásse de aperfeiçoar aquilo que aqueles meninos da Idade do Ouro iniciavam, limando as arestas daquelas novas posturas para com a Vida até se alcançar a verdadeira Pérola de Sabedoria sobre a melhor maneira de andar sobre a Terra...
         Eu era somente mais um a juntar áquele mar de informação e pensamentos, algo sobre o melhor método de andar á superfície do planeta... a maior parte daqueles livros falava do mesmo: da vida mundana e física, da vida espiritual e do desencarnar para aquele passamento a que costumávamos chamar de Morte.
         Por isso, não importava o tempo que demorasse a escrever até acabar... nem importava se iria algum dia dar como terminada a obra, ou não. O que interessava era o que ficaria, sem importar onde chegaria... nem tãopouco importava se fosse lida nos dias em que estava a ser escrita, ou dali a cem, duzentos, ou mil anos. Seria lida – se tivésse que ser lida - quando tivésse que contribuir com mais uma centelha de conhecimento sujeito ao aperfeiçoamento, ou ao total aniquilamento, para benefício da evolução humana. E a evolução humana, ou mudava o seu curso para comportamentos mais conscientes das suas limitações, necessidades e objectivos como humanos que eram seus intervenientes, ou estaria sujeita, nada mais, nada menos, ao total extermínio autoconsumado. E se Almada dos Meus Olhos jamais fosse lida, pelo menos servia para eu redefinir para mim próprio toda a visão de vida que o Cosmo expressava através da pessoa que eu era noo momentos em que a obra era criada, ou revista.
Essencialmente, uma das coisas que eu procurava transmitir enquanto escrevia era (como muitas das mensagens que naquele tempo estavam a ser escritas) um alerta para a necessidade urgente de mudança, já que aquele mundo se encontrava em sérias dificuldades de sustentar a vida humana e de outras espécies que nele existiam, graças à estupidez e à ignorância de grande parte dos seres-humanos que nele habitavam. Mas como a mudança de hábitos e mentalidades era coisa difícil de ser feita em uma só geração, todas aquelas mensagens de esclarecimento sobre uma melhor maneira de viver, respirar, comer, dormir, pensar, agir, falar e a tantos outros níveis da condição humana, eram mais dirigidas aos futuros homens e mulheres que viessem a habitar a Terra, afim daqueles não cometerem os mesmos erros que os seus antepassados, os quais, por não saberem existir segundo a harmonia natural em que estavam inseridos, haviam tornado o planeta um sítio com sérias tendências para se tornar inóspito. É certo que já se viam muitas pessoas a mudar de estilo de vida para certas práticas caseiras mais saudáveis e até mesmo para certos comportamentos sociais que já demonstravam alguma reflexão sobre a unidade das coisas diversas  que formava toda a massa humana e a própria Natureza. Dentro daquela unidade, tocava-se com as acções de uns todas as outras coisas existentes que dela faziam parte. No entanto e essencialmente, quem iria fazer a grande mudança seriam as gerações futuras e não as gerações presentes, que tinham, damasiadamente vincadas em si, hábitos e costumes rotineiros de destruição, dos quais nem se davam conta de tão naturais que lhes pareciam. Era como se o tal fim do mundo descrito por variadíssimas vertentes espirituais estivesse a aproximar-se, não pela mão do divino (que durante tanto tempo se temera como vingativo), mas, supreendentemente, pela mão do próprio Homem.
Para mim esse fim do mundo era somente o fim do mundo como naquele momento o vivíamos e não o fim do mundo como um aniquilamento geral. Era o início de uma nova era, uma era mais espiritualizada e talvez menos religiosa e materialista.
Com tais obras literárias e através da quantidade de textos imprimidos, era como se a humanidade procurasse - inconscientemente em maior parte dos casos - aumentar as probabilidades de alguma coisa escrita sobreviver às catástofres anunciadas, afim de algum registo, de qualquer tipo, servir de memória às gerações vindouras. Por outro lado, o que estava a acontecer era que imensas pessoas estavam a ter inspiracões bastante elevadas ao nível da existência humana e uma considerável parte dessas pessoas sentia que não podia guardar só para si tais coisas: que não era justo, mas, sim, puro egoísmo não partilhar com o resto da humanidade as aparições que se revelavam em seu espírito.


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